Abordagem
Os sintomas da CAD geralmente se desenvolvem de forma rápida ao longo de 1 dia ou menos. A CAD pode ser a primeira manifestação em até 25% das pessoas recém-diagnosticadas com diabetes. Cerca de 50% das crianças com diabetes do tipo 1 se apresentam com CAD, com uma proporção significativa dos jovens com diabetes do tipo 2 também apresentando cetoacidose clinicamente significativa.[3] A hiperglicemia é um critério diagnóstico essencial para a CAD; entretanto, uma ampla variação nos níveis de glicose plasmática pode se manifestar na internação, e aproximadamente 10% dos pacientes com CAD se apresentam com glicose <13.9 mmol/L (<250 mg/dL; "CAD euglicêmica").[1] O estado hiperosmolar hiperglicêmico (EHH) frequentemente é discutido como uma afecção à parte. Entretanto, a CAD e o EHH representam dois pontos no espectro dos distúrbios metabólicos no diabetes. Diferente da CAD, o EHH pode evoluir de forma insidiosa durante dias ou semanas. Os sintomas de hiperglicemia na CAD e no EHH incluem poliúria, polidipsia, fraqueza e perda de peso.
Os fatores importantes a serem considerados na história médica prévia ou atual do paciente incluem infecção, infarto do miocárdio, pancreatite, AVCs, acromegalia, hipertireoidismo e a síndrome de Cushing, pois podem ser desencadeantes ou fatores de risco. Na CAD euglicêmica, a gestação, a inanição, o consumo de bebidas alcoólicas concomitante e o uso de inibidores da proteína cotransportadora de sódio e glicose 2 (SGLT-2) foram implicados em sua etiologia.[18][45]
É essencial obter uma história completa do uso de medicamentos, sobretudo corticosteroides, diuréticos tiazídicos, pentamidina, simpaticomiméticos, antipsicóticos atípicos e inibidores de checkpoint imunológico, pois eles afetam o metabolismo dos carboidratos e podem participar do desenvolvimento de crises hiperglicêmicas.[1][17][31][33] O abuso de cocaína pode ser um fator de risco independente associado à CAD recorrente.[16][34] O uso de cannabis (e a síndrome de hiperêmese associada) tem sido associado a um aumento do risco de CAD em adultos com diabetes do tipo 1.[3] Os inibidores da SGLT-2 (por exemplo, canagliflozina, dapagliflozina, empagliflozina, ertugliflozina), usados para o controle glicêmico do diabetes do tipo 2 (ou, mais recentemente, redução do risco de eventos cardiovasculares), foram objeto de um alerta da Food and Drug Administration (FDA) dos EUA sobre o risco de CAD.[35] O risco é aumentado com o uso de um inibidor de SGLT-2 em certas situações, como durante doenças graves ou em um período de jejum prolongado, ou no período perioperatório, e seu uso deve ser evitado nesses casos.[3]
Exame físico
Os sinais físicos de depleção de volume incluem membranas mucosas ressecadas, turgor cutâneo diminuído, taquicardia, hipotensão e, em casos graves, choque. Os pacientes com CAD podem apresentar náuseas, vômitos, respiração de Kussmaul, hálito cetônico e ocasionalmente dor abdominal. A dor abdominal pode ser correlacionada com o grau de acidose em pacientes com CAD e pode ser confundida por uma crise abdominal aguda. A hipotermia leve pode ser observada em alguns pacientes devido à vasodilatação periférica. A hipertermia não é comum, mesmo na presença de infecção.[1] O estado mental pode estar alterado na CAD, variando de alerta na CAD leve à letargia e/ou coma na CAD grave. No EHH, a obnubilação mental e coma são mais frequentes. Os sinais neurológicos focais (hemianopsia e hemiparesia) e convulsão também podem estar presentes no EHH.[1]
Avaliação laboratorial inicial
Glicose plasmática
Em geral, a glicose plasmática é >13.9 mmol/L (>250 mg/dL) com a presença de acidose e cetonemia. No entanto, uma grande variação nos níveis de glicose plasmática pode estar presente na internação e aproximadamente 10% dos pacientes com CAD se apresentam com glicose <13.9 mmol/L (<250 mg/dL; CAD euglicêmica).[1]
Urinálise
Positiva para glicose e cetonas. Outros achados potenciais incluem leucócitos e nitritos na presença de infecção, e mioglobinúria e/ou hemoglobinúria em rabdomiólise.
Gasometria arterial e venosa
A gasometria arterial mostra uma acidose metabólica, que é essencial para o diagnóstico de CAD. Medições do potencial hidrogeniônico (pH) arterial são necessárias para diagnosticar a CAD, mas o pH venoso é recomendado para monitorar o tratamento, em função da dor e do risco de infecção na obtenção de amostras arteriais frequentes. Uma amostra de pH venoso é geralmente 0.03 unidade menor que a de pH arterial, e essa diferença deve ser considerada.
O pH varia de 7.00 a 7.30 e o bicarbonato arterial varia de <10 mmol/L (<10 mEq/L) na CAD grave a >15 mmol/L (>15 mEq/L) na CAD leve.
Cetonas capilares ou séricas (beta-hidroxibutirato)
Existem três cetonas principais que são produzidas na CAD que podem ser medidas: acetona, acetoacetato e beta-hidroxibutirato (BOHB).
No início da CAD, a concentração de acetoacetato é baixa, mas é um importante substrato para a medição de cetonas por muitos laboratórios (método de reação de nitroprussiato). Portanto, a medição da cetona sérica por técnicas laboratoriais usuais tem alta especificidade, mas baixa sensibilidade para o diagnóstico de CAD; portanto, um teste negativo para cetonas séricas não exclui a CAD. A acetona é raramente medida devido à sua natureza volátil.[46] Por sua vez, o BOHB é um cetoácido inicial e abundante que pode representar o primeiro sinal de desenvolvimento de CAD. O teste de BOHB remoto está amplamente disponível e é altamente sensível e específico para o diagnóstico de CAD.[47]
Durante o tratamento da CAD, o BOHB é convertido em acetoacetato, que é detectado pelo método de nitroprussiato. O aumento no acetoacetato e a reação do nitroprussiato durante o tratamento da CAD pode ser confundido com um indicativo de agravamento da cetonemia.
Outra fonte potencial de erro na detecção de corpos cetônicos são os medicamentos do paciente. Alguns medicamentos, como o inibidor da enzima conversora da angiotensina (ECA) captopril, contêm grupos sulfidrila que podem reagir com o reagente no teste de nitroprussiato e fornecer um resultado falso-positivo. Portanto, critério clínico e outros testes bioquímicos são necessários em pacientes que recebem tais medicamentos.[1]
Ureia e creatinina
Geralmente aumentadas em virtude da depleção de volume.
Sódio: sódio sérico geralmente é baixo em função do refluxo osmótico de água do espaço intracelular ao espaço extracelular na presença de hiperglicemia. O deficit total de sódio é de 7 a 10 mmol/kg (7 a 10 mEq/kg). A hipernatremia na presença de hiperglicemia indica uma depleção de volume profunda. Ou então, na presença de uma alta concentração de quilomícrons séricos, podem ocorrer a pseudonormoglicemia e a pseudo-hiponatremia.
Cálculo do sódio corrigido: o nível de sódio sérico corrigido deve ser avaliado, pois é usado para orientar a fluidoterapia adequada. A equação das unidades do sistema internacional (SI) é: sódio corrigido (mmol/L) = sódio medido (mmol/L) + 0.016 ([glicose (mmol/L) × 18]-100). A equação das unidades convencionais é: sódio corrigido (mEq/L) = sódio medido (mEq/L) + 0.016 (glicose [mg/dL] - 100).
Potássio: o deficit total de potássio é de 3 a 5 mmol/kg (3 a 5 mEq/kg). O potássio sérico geralmente está elevado em função do desvio extracelular de potássio causado pela insuficiência de insulina, hipertonicidade e acidemia, mas a concentração total de potássio corporal é baixa em decorrência do aumento da diurese. Portanto, um nível baixo de potássio na internação indica um grave deficit de potássio corporal total.
Cloreto: em geral, baixo. O deficit total de cloreto é de 3 a 5 mmol/kg (3 a 5 mEq/kg).
Magnésio: em geral, baixo. O deficit corporal total de magnésio é de geralmente 0.5 a 1 mmol/kg (1 a 2 mEq/kg).
Cálcio: em geral, baixo. O deficit corporal total de cálcio é de geralmente 0.25 a 0.5 mmol/kg (1 a 2 mEq/kg).
Fosfato: apesar de o deficit corporal de fosfato estar na média em 1.0 mmol/kg, o fosfato sérico muitas vezes está normal ou aumentado na apresentação, mas diminui com a insulinoterapia.
Anion gap
O anion gap sérico calculado em mmol/L (mEq/L) (sódio sérico - [cloreto sérico + bicarbonato]) fornece uma estimativa dos ânions não medidos no plasma, que na CAD são cetoácidos. O anion gap é geralmente maior que 10 a 12 mmol/L (10 a 12 mEq/L) na CAD. [ Anion gap Opens in new window ]
A normalização do anion gap reflete a correção da cetoacidose, pois esses ânions são removidos do sangue.
Creatina fosfoquinase
A rabdomiólise é comum em usuários de cocaína com CAD concomitante e os níveis de creatina fosfoquinase devem ser avaliados em usuários de cocaína conhecidos ou suspeitos que apresentem CAD.[34]
Na rabdomiólise, o pH e a osmolalidade sérica geralmente têm uma discreta elevação e a glicose plasmática e as cetonas estão normais. A mioglobinúria e/ou hemoglobinúria são detectadas na urinálise.
Lactato sérico
Medido para descartar acidose láctica. Os níveis de lactato estão normais na CAD, mas elevados na acidose láctica.
Testes da função hepática
Geralmente estão normais e são utilizados para a triagem de um desencadeante hepático subjacente. Os testes da função hepática anormais indicam uma doença hepática subjacente como esteatose hepática ou outras condições como insuficiência cardíaca congestiva (ICC).
Amilase e lipase sérica
A amilase está elevada na maioria dos pacientes com CAD, mas isso pode ser decorrente de origens não pancreáticas, como as glândulas parótidas.
A lipase sérica geralmente está normal e pode ser benéfica na diferenciação de pancreatite em pacientes com níveis elevados de amilase. Entretanto, discreta elevação no nível de lipase sérica na ausência de pancreatite também foi relatada em pacientes com CAD.[1]
Osmolalidade plasmática
Variável na CAD.
Hemograma completo com diferencial
A leucocitose está presente nas crises hiperglicêmicas e se correlaciona com os níveis de corpos cetônicos no sangue. No entanto, a leucocitose acima de 25 × 10⁹/L (25,000/microlitro) pode indicar infecção e necessita de avaliações adicionais.[1]
Exames adicionais
eletrocardiograma (ECG)
Usado para descartar infarto do miocárdio (IAM) como desencadeante ou para procurar efeitos cardíacos de distúrbios de eletrólitos (geralmente de potássio). As evidências de IAM incluem alterações nas ondas Q ou no segmento ST. Evidências de hipocalemia (ondas U) ou hipercalemia (ondas T altas) podem estar presentes.
Um alto índice de suspeita de IAM deve ser mantido, pois pacientes com diabetes apresentam muitas vezes sintomas atípicos.
Radiografia torácica
Indicada para descartar a pneumonia. Na pneumonia, pode apresentar alterações típicas de pneumonia, incluindo infiltração, condensação, derrames e cavitação.
Culturas de sangue, urina ou escarro
Devem ser obtidas se houver sinais de infecção como calafrios, distúrbio constitucional (por exemplo, fadiga, confusão, ansiedade) ou sintomas e sinais de infecções específicas. As infecções desencadeantes mais comuns são a pneumonia e infecções do trato urinário. Os pacientes geralmente são normotérmicos ou hipotérmicos decorrente da vasodilatação periférica, então a febre pode não ser observada.
Biomarcadores cardíacos
Geralmente normais, mas elevadas se o IAM for desencadeante. Um alto índice de suspeita deve ser mantido, pois os pacientes com diabetes muitas vezes apresentam sintomas atípicos.
Deficits típicos na CAD leve
Deficits típicos[24]
CAD leve:
Água total (L): 6
Água (mL/kg): 100
Na+ (mEq/kg [mmol/kg]): 7 a 10
Cl- (mEq/kg [mmol/kg]): 3 a 5
K+ (mEq/kg [mmol/kg]): 3 a 5
PO4 (mmol/kg): 5 a 7
Mg++ (mEq/kg [mmol/kg]): 1 a 2 mEq/kg (0.5 a 1 mmol/kg)
Ca++ (mEq/kg [mmol/kg]): 1 a 2 mEq/kg (0.25 a 0.5 mmol/kg).
Observações: os deficits são baseados em kg de peso corporal.
Como registrar um ECG. Demonstra a colocação de eletrodos no tórax e nos membros.
Como colher uma amostra de sangue venoso da fossa antecubital usando uma agulha a vácuo.
Como obter uma amostra de sangue arterial da artéria radial.
Como realizar uma punção da artéria femoral para coletar uma amostra de sangue arterial.
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