Prevenção primária
A orientação do paciente sobre o manejo de sua diabetes durante os períodos de doença leve (controle diário da doença) é essencial para prevenir a cetoacidose diabética (CAD). Esse preparo deve incluir informações sobre quando entrar em contato com um profissional da saúde, o monitoramento da glicose sanguínea, o uso de insulina e o início da nutrição adequada durante a doença. Essas informações devem ser reforçadas com os pacientes periodicamente. Os pacientes devem ser aconselhados a continuar com a insulina e procurar aconselhamento profissional no início da evolução da doença. O acompanhamento rigoroso é muito importante, pois ficou comprovado que visitas a cada 3 meses ao endocrinologista reduzem o número de acidentes e internações no pronto-socorro por CAD.[55][56] Durante uma doença (ou ao passar por outros eventos estressantes, como trauma ou cirurgia), pode ser aconselhável que os indivíduos propensos à cetose monitorem suas cetonas, além de aumentar a frequência do monitoramento da glicemia.[4]
A American Diabetes Association (ADA) recomenda que pessoas com diabetes do tipo 1 e outras formas de diabetes com risco de CAD não usem maconha (cannabis) recreativa de nenhuma forma devido ao risco de síndrome de hiperêmese por cannabis, que é um fator de risco para CAD.[4]
As gestantes com diabetes do tipo 1 devem ser orientadas sobre o aumento do risco de CAD durante a gestação, como evitá-la e reconhecê-la, além de receber ferramentas de monitoramento das cetonas (já que a CAD na gestação está associada a um alto risco de natimorto).[4]
O teste de autoanticorpos pode ser usado para rastrear familiares de pessoas com diabetes do tipo 1, para detectar outros indivíduos em risco de desenvolver a doença. Foi demonstrado que fornecer orientação e acompanhamento a esses indivíduos com diabetes e CAD resulta em diagnóstico precoce de diabetes e prevenção de CAD.[4] Programas de rastreamento estão disponíveis em alguns países, incluindo os EUA, Austrália e algumas partes da Europa.[4] A ADA produziu um sistema de estadiamento para diabetes do tipo 1 com base em características clínicas, níveis glicêmicos e presença de autoanticorpos contra as ilhotas e autoanticorpos anti-insulina, descarboxilase do ácido glutâmico (DAG), antígeno das ilhotas 2 (IA-2) ou transportador de zinco 8 (ZnT8):[4]
Estágio 1: é a presença de autoimunidade na ausência de disglicemia (pré-sintomática)
Estágio 2: a autoimunidade e a disglicemia estão na faixa pré-diabética (pré-sintomática)
Estágio 3: é diabetes do tipo 1 clínico com autoimunidade e hiperglicemia evidente (sintomática)
A ADA e a European Association for the Study of Diabetes publicaram diretrizes recomendando monitoramento médico periódico, incluindo avaliação regular dos níveis de glicose e educação sobre os sintomas de diabetes e CAD, para pessoas com teste positivo para autoanticorpos contra ilhotas.[57] Quando múltiplos autoanticorpos são identificados, deve-se considerar o encaminhamento a um centro especializado para avaliação adicional e/ou consideração de um ensaio clínico ou terapia aprovada para potencialmente retardar o desenvolvimento de diabetes clínico.[4] Consulte Diabetes do tipo 1.
A CAD associada ao inibidor da proteína cotransportadora de sódio e glicose 2 (SGLT2) e inibidor duplo de SGLT1/2 é rara em pacientes com diabetes do tipo 2, pode se apresentar com euglicemia e é tipicamente precipitada pela omissão ou redução significativa das doses de insulina, doença aguda grave, desidratação, exercícios extensivos, cirurgia, dietas com baixo teor de carboidratos (por exemplo, dieta cetogênica) ou jejum prolongado, ou por uma ingestão excessiva de álcool.[4] A ADA recomenda que esses medicamentos sejam evitados em casos de doenças graves, em pessoas com cetonemia ou cetonúria e durante jejum prolongado e procedimentos cirúrgicos.[4] Os pacientes tratados com inibidores de SGLT2 ou com o inibidor duplo de SGLT1/2, sotagliflozina (especialmente pacientes com diabetes do tipo 1 ou diabetes do tipo 2 propensos à cetose e/ou em dieta cetogênica), devem ser informados sobre o risco de CAD e como preveni-la e reconhecê-la, além de receber ferramentas para medir suas cetonas.[4] As estratégias de prevenção da CAD devem incluir a suspensão do uso de inibidor de SGLT2 ou inibidor duplo de SGLT1/2 quando houver fatores precipitantes (por exemplo, descontinuar 3-4 dias antes de uma cirurgia programada) e evitar omissões ou grandes reduções das doses de insulina.[4][58][59] Um exemplo de estratégia de redução de risco é o protocolo "STOP DKA", que foi desenvolvido para pacientes com diabetes do tipo 1 em uso de inibidores de SGLT2 ou duplo de SGLT1/2: os pacientes são orientados a ficarem atentos aos sintomas de CAD, como letargia, perda de apetite, náusea e dor abdominal e, se presentes, interromper o uso de inibidor de SGLT2 ou duplo de SGLT1/2, testar cetonas, manter a ingestão de líquidos e carboidratos e usar insulina de manutenção e suplementar.[60]
Muitos casos podem ser prevenidos através de um melhor acesso aos cuidados clínicos, educação adequada e comunicação eficaz com um profissional da saúde durante uma doença intercorrente. A omissão ou uso insuficiente de insulinoterapia é uma das principais causas de internações por CAD.[1] Os hospitais devem garantir que as doses de insulina basal não sejam omitidas ou atrasadas para os pacientes internados, principalmente durante as transições de cuidados, por meio do uso de alertas eletrônicos e orientação contínua da equipe.[4]
A tecnologia para diabetes também pode ser usada para reduzir o risco de CAD, como a terapia com bomba de insulina em pessoas com diabetes do tipo 1 e o uso de monitoramento contínuo de glicose (MCG) em tempo real e com varredura intermitente.[4][61] Foi demonstrado que o uso de MCG em pacientes com diabetes do tipo 1 (independentemente do método de administração de insulina) resulta em reduções significativas nas hospitalizações por CAD, bem como reduções na hemoglobina A1c, menos eventos hipoglicêmicos graves e maior tempo dentro do intervalo.[62]
Prevenção secundária
Em estudos nacionais nos EUA, até 22% das pessoas internadas com CAD tiveram pelo menos uma nova internação em 30 dias ou no mesmo ano civil.[37] Entre aqueles internados novamente dentro de 30 dias, 40.8% representavam episódios recorrentes de CAD, com aproximadamente 50% sendo internados novamente dentro de 2 semanas.[37][38] Entre aqueles internados novamente no mesmo ano civil, 86% e 14% tiveram 1-3 e ≥4 novas internações por CAD, respectivamente.[38] A avaliação das causas precipitantes e contribuintes da internação por CAD e o acompanhamento rigoroso até 2 a 4 semanas após a alta podem reduzir a CAD recorrente.[1] O início ou a continuação de inibidores de SGLT2 ou duplos de SGLT1/2 após a resolução da CAD não é rotineiramente recomendado.[1]
Antes da alta, todos os indivíduos internados com CAD devem receber educação adequada focada tanto no evento atual quanto no manejo geral do diabetes.[1] A educação do paciente, especialmente a educação estruturada que inclui resolução de problemas, demonstrou ser eficaz na redução de internações por CAD.[117] A omissão ou uso insuficiente de insulinoterapia é uma das principais causas de internações e reinternações por CAD. Portanto, a educação sobre a administração de insulina e o aconselhamento sobre “dias de doença” devem ser fornecidos ou reforçados.[1] Após a alta, os pacientes devem receber um suprimento adequado de insulina e os equipamentos médicos necessários (por exemplo, dispositivos de monitoramento de glicose e administração de insulina), bem como informações de contato de profissionais da saúde que podem ajudar a controlar futuros episódios de altas concentrações de cetona e glicose sanguíneas.[1] A educação deve incluir a revisão de técnicas de injeção (incluindo os locais), monitoramento de glicose e testes de cetona na urina ou no sangue. Cada paciente e sua família precisam revisar o monitoramento adequado de glicose e cetona e quando pedir assistência.[1] A medição domiciliar de cetonas no sangue capilar e no soro ajuda a identificar a CAD iminente, mas a taxa de monitoramento adequado de cetonas entre pessoas com diabetes, especialmente adultos, é baixa.[1][118]
Um relatório de consenso sobre diabetes do tipo 1 da ADA e da European Association for the Study of Diabetes (EASD) recomenda o monitoramento contínuo da glicose (MCG) como o método de monitoramento de escolha para a maioria das pessoas com diabetes do tipo 1.[119] O MCG é superior ao monitoramento capilar da glicose sanguínea para melhorar os padrões glicêmicos entre pacientes tratados com insulina com diabetes do tipo 1 e diabetes do tipo 2, especialmente aqueles com níveis de glicose fora da faixa normal.[1] OS resultados de um estudo nacional na França relataram que o acesso a um sistema de MCG foi associado a uma redução subsequente na taxa de hospitalizações por CAD em 53% e em 47% no diabetes do tipo 1 e diabetes do tipo 2, respectivamente.[120] Esses resultados foram observados tanto em pacientes tratados com insulina em múltiplas doses quanto naqueles tratados com terapia de infusão contínua de insulina (bomba).[121] Embora o MCG não tenha sido aprovado para uso em pacientes hospitalizados com diabetes ou CAD, as diretrizes de consenso recomendam que o MCG em tempo real ou realizado de forma intermitente seja oferecido a pessoas internadas com CAD imediatamente antes ou depois da alta hospitalar.[1]
A presença de transtornos de saúde mental e indicadores de desvantagem socioeconômica (como baixa renda, falta de moradia, falta de seguro saúde ou seguro insuficiente, insegurança alimentar e baixo nível educacional) devem ser avaliados na internação e antes da alta.[1][122] Amplas evidências indicam que problemas de saúde mental, particularmente transtornos alimentares, depressão ou esquizofrenia, são fatores de risco independentes para controle glicêmico inadequado e CAD. Portanto, o rastreamento regular de pessoas com diabetes para transtornos psicológicos e comportamentais deve ser implementada na prática clínica.[1] A internação hospitalar com CAD, e as internações recorrentes em particular, podem ser consideradas "sinais de alerta" e levar a uma avaliação psiquiátrica, para que os problemas de saúde mental sejam tratados e internações por CAD futuras sejam evitadas.[34]
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