Abordagem
A lesão renal aguda (LRA) é diagnosticada pelo aumento agudo da ureia e creatinina ou oligúria persistente, de acordo com critérios validados, como a definição da Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO)[1][3] Os critérios da KDIGO reúnem em uma única definição características dos critérios RIFLE (Risk = risco; Injury = lesão; Failure = insuficiência; End-stage renal disease = doença renal em estágio terminal) e dos critérios da Acute Kidney Injury Network (AKIN).[4][89][90]
A LRA é diagnosticada se qualquer um dos seguintes critérios forem atendidos:[1]
Aumento da creatinina sérica em ≥26.5 micromoles/L (≥0.3 mg/dL) em 48 horas, ou
Aumento da creatinina sérica para ≥1.5 vez o valor inicial, que se sabe ou se supõe ter ocorrido nos 7 dias anteriores, ou
Volume urinário <0.5 mL/kg/hora por 6 horas.
Assim, a LRA deve ser classificada de acordo com critérios de gravidade usando-se classificações da KDIGO, RIFLE ou AKIN.[1][89][90]
A afecção é geralmente assintomática e diagnosticada apenas por exames laboratoriais.[91] Os sintomas gerais podem incluir náuseas e vômitos. Pode ocorrer uremia, incluindo alteração do estado mental, mas isso é mais comumente observado na LRA avançada ou na doença renal crônica avançada.
Uma história de trauma ou doença predisponente (por exemplo, insuficiência cardíaca congestiva [ICC], doença renal crônica, diabetes, doença vascular periférica e doenças do tecido conjuntivo, como lúpus eritematoso sistêmico [LES], esclerodermia e vasculite) pode estar presente. Diversos grupos publicaram escores de risco para LRA, que foram variavelmente validados por estudos de acompanhamento.[50][55][92][93]
Anamnese na insuficiência pré-renal
Os pacientes podem apresentar uma história de perda excessiva de fluidos por hemorragia, pelo trato gastrointestinal (vômitos, diarreia) ou sudorese. Os pacientes hospitalizados podem apresentar reposição insuficiente de fluidos para cobrir perdas contínuas e insensíveis, principalmente se houver restrição da ingestão enteral.
Pode haver história de sepse, queimaduras, cirurgia de grande porte ou pancreatite.[91][94]
Os pacientes podem apresentar sintomas de hipovolemia: sede, tontura, taquicardia, oligúria ou anúria. A ortopneia e a dispneia paroxística noturna podem ocorrer se houver insuficiência cardíaca avançada.
Anamnese na insuficiência renal intrínseca
Geralmente, os pacientes apresentam necrose tubular aguda (NTA) subsequente a infecção grave, exposição a medicamentos nefrotóxicos ou cirurgia de grande porte. O paciente pode apresentar uma história de erupção cutânea, hematúria ou edema com hipertensão, sugerindo síndrome nefrítica e uma glomerulonefrite aguda ou vasculite renal. Pode ter sido realizada uma intervenção vascular recente antecedendo a LRA, ocasionando êmbolos por colesterol ou lesão induzida por contraste. Uma história de doença mieloproliferativa, como o mieloma múltiplo, pode predispor à LRA, especialmente em pacientes com depleção de volume.
Uma história de todos os medicamentos em uso e dos exames radiológicos recentes deve ser coletada para se estabelecer qualquer exposição a potenciais nefrotoxinas. O aciclovir, o metotrexato, o triantereno, o indinavir ou as sulfonamidas podem causar obstrução tubular pela formação de cristais. Medicamentos de venda livre, como anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) e simpatomiméticos, são frequentemente negligenciados e os pacientes devem ser questionados especificamente sobre seu uso.[95] A nefrite intersticial alérgica pode ser suspeitada nos pacientes com uma história de uso de anti-inflamatório não esteroidal (AINE) ou administração recente de novos medicamentos, como antibióticos betalactâmicos. Outras substâncias a serem consideradas incluem alucinógenos e "sais de banho".[96]
A LRA induzida por pigmento, devido à rabdomiólise, deve ser suspeitada em pacientes apresentando sensibilidade muscular, convulsões, abuso de álcool ou drogas, excesso de exercícios ou isquemia de membro (por exemplo, lesão por esmagamento).
Anamnese na insuficiência pós-renal
A insuficiência pós-renal é mais comum em homens idosos com obstrução prostática. Frequentemente, há história de urgência, polaciúria ou hesitação.
Uma história de neoplasia maligna, prostatismo, nefrolitíase ou cirurgia prévia pode coincidir com o diagnóstico de obstrução. A obstrução causada por cálculo renal ou necrose papilar se apresenta tipicamente como dor no flanco e hematúria visível.
Exame físico
Hipotensão, hipertensão, edema pulmonar ou edema periférico podem estar presentes. Pode ocorrer asterixis (flapping) ou estado mental alterado quando a uremia está presente.
O paciente com perda de fluidos, sepse ou pancreatite pode apresentar hipotensão juntamente com outros sinais de colapso circulatório.[97]
Os pacientes com doença glomerular geralmente apresentam hipertensão e edema, proteinúria e hematúria microscópica (síndrome nefrítica). A síndrome nefrótica grave, com edema periférico e hipotensão relativa, também pode causar LRA.[98]
A presença de erupção cutânea, petéquia ou equimoses pode sugerir afecção sistêmica subjacente, como vasculite microangiopatia trombótica ou glomerulonefrite.[72]
Os pacientes com necrose tubular aguda podem se apresentar após uma hemorragia, sepse, overdose de drogas ou medicamentos, cirurgia, parada cardíaca ou outras condições com hipotensão e isquemia renal prolongada.
Um sopro abdominal subjacente pode dar suporte a uma doença renovascular.
O paciente com obstrução prostática pode apresentar distensão abdominal por causa de uma bexiga cheia.
Exames iniciais
A investigação inicial deve incluir perfil metabólico básico (incluindo ureia e creatinina), gasometria venosa, hemograma completo, urinálise e cultura, bioquímica da urina (para excreção fracionada de sódio e ureia), ultrassonografia renal (quando apropriado pela história ou exame físico), radiografia torácica e ECG. A osmolalidade da urina é raramente solicitada, porém, se estiver elevada, sugere azotemia pré-renal (na ausência de corantes de contraste). As contagens eosinofílicas urinárias apresentam sensibilidade e especificidade baixas para nefrite intersticial aguda, mas estar elevadas em pacientes com piúria.[99]
A radiografia torácica pode revelar edema pulmonar ou cardiomegalia.
O ECG pode demonstrar arritmias se houver hipercalemia.
Recomenda-se cateterismo da bexiga em todos os casos de LRA se a obstrução infravesical não puder ser rapidamente descartada por ultrassonografia. Ele é diagnóstico e terapêutico para a obstrução do colo vesical, além de fornecer uma avaliação da urina residual e uma amostra para urinálise.
A proporção de ureia para a creatinina séricas de 20:1 ou mais embasa um diagnóstico de azotemia pré-renal, mas outras causas de uremia devem ser descartadas (como elevações induzidas por medicamentos ou sangramento gastrointestinal).
Uma excreção fracionada de sódio de <1% corrobora azotemia pré-renal, mas pode também ser observada na glomerulonefrite, na síndrome hepatorrenal (tipicamente <0.2%) e em alguns casos de obstrução e até NTA, desde que a função tubular permaneça intacta.[100][101] A excreção fracionada de sódio é calculada da seguinte forma: (sódio urinário x creatinina sérica)/(sódio sérico x creatinina urinária) x 100%.
Um valor de excreção fracionada de ureia <35% dá suporte a um diagnóstico de azotemia pré-renal e é útil se o paciente tiver feito uso de diurético. A excreção fracionada da ureia é calculada como se segue: (ureia urinária x creatinina sérica)/(ureia sérica x creatinina urinária) x 100%.[100]
Pode-se realizar prova volêmica com cristaloide ou coloide (mas não soluções de hidroxietilamido), e haverá valor diagnóstico e terapêutico para azotemia pré-renal se a função renal melhorar rapidamente.
Uma osmolalidade urinária elevada (ou densidade específica da urina elevada), observada na azotemia pré-renal, sugere manutenção da função tubular normal e resposta ao hormônio antidiurético nos casos de hipovolemia. Uma concentração de sódio urinário <20 mmol/L (20 mEq/L) sugere uma ávida retenção de sódio e é típica de hipoperfusão renal/azotemia pré-renal.[100] A alta quantidade de sódio urinário é geralmente observada na NTA, mas não é exclusiva do diagnóstico. A osmolalidade urinária também pode estar muito alta, como resultado de meios de radiocontraste e manitol.
Eosinófilos urinários >5% a 7% apoiam fracamente a presença de nefrite intersticial, mas não são diagnósticos.[99] Algumas diretrizes (por exemplo, da American Association for Clinical Chemistry) desaconselham o uso rotineiro dos eosinófilos urinários na avaliação da LRA.[100]
Se a causa de LRA não for identificada, uma ultrassonografia renal é solicitada no início da investigação para auxiliar na avaliação das causas obstrutivas, assim como na avaliação da arquitetura e do tamanho renal. Também é útil para o diagnóstico de doença renal crônica subjacente.
Exames posteriores
Uma tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) pode ser necessária para uma avaliação mais profunda dos casos de obstrução sugerida à ultrassonografia (por exemplo, possíveis massas e cálculos).
Os exames do fluxo renal nuclear podem avaliar a perfusão e a função renal, e podem ser modificados usando captopril, para avaliar a estenose da artéria renal, ou com furosemida, para avaliar a obstrução nos casos de hidronefrose leve, em que a evidência da obstrução mecânica é incerta.
Os testes diagnósticos adicionais podem ser definidos pela causa suspeitada da LRA, como cistoscopia para os casos de suspeita de estenose ureteral, ou pela avaliação sorológica (por exemplo, antiestreptolisina O, velocidade de hemossedimentação, fator antinuclear, anti-DNA, complemento, membrana basal antiglomerular, anticorpo anticitoplasma de neutrófilo, perfil de hepatites agudas, teste para HIV e crioglobulinas), se a história sugerir doença autoimune, vasculítica, infecciosa ou de imunocomplexo, ou nos casos de suspeita de glomerulonefrite. Novos biomarcadores séricos e urinários têm potencial como indicadores úteis para o diagnóstico de LRA e como preditores de mortalidade após uma LRA; no entanto, estudos adicionais são necessários para determinar sua utilidade clínica.[102][103][104][105][106][107][108]
Uma biópsia renal pode ser realizada para avaliação adicional da LRA quando a anamnese, o exame físico e outros estudos sugerirem uma doença sistêmica como etiologia ou quando o diagnóstico for incerto.
As biópsias podem confirmar necrose tubular aguda, mas raramente são realizadas para essa condição.
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