Abordagem

A meningite bacteriana pode ser fatal dentro de poucas horas. Pacientes com suspeita de meningite bacteriana aguda devem ser rapidamente hospitalizados e avaliados para determinar a segurança clínica da realização de punção lombar (PL).

Os antimicrobianos devem ser administrados de maneiraimediata. Se a PL for adiada por causa da necessidade de tomografia computadorizada, o tratamento com antibióticos deverá ser iniciado antes do exame e após a obtenção das amostras de sangue para cultura. O protelamento dos antibióticos está fortemente associado a um mau desfecho e à morte.[59][97][98]​​ Um estudo de coorte multinacional e retrospectivo mostrou que esperar mais de 2 horas para administrar antibióticos aumentou significativamente a mortalidade em pacientes com meningite bacteriana adquirida na comunidade.[99]​ Quando o organismo específico for identificado e os resultados de sensibilidade forem conhecidos, o tratamento pode ser modificado conforme necessário.

As recomendações a seguir são para a meningite adquirida na comunidade. As recomendações para o tratamento da meningite associada aos cuidados de saúde estão além do escopo deste tópico, e diretrizes estão disponíveis em outros lugares.[100] Consulte Doença meningocócica.

Suspeita de meningite bacteriana

A terapia antibacteriana empírica parenteral de amplo espectro deve ser administrada o quanto antes para suspeita de meningite bacteriana (de preferência depois de realizada a PL).[9][99]​​[100]​​[101]​​[102]​​​ Em alguns países, recomenda-se a administração de antibióticos (por exemplo, benzilpenicilina intramuscular, cefotaxima ou ceftriaxona) na atenção primária se a transferência para o hospital apresentar possibilidade de ser adiada.​[57]​ No entanto, as evidências para essa abordagem estão equivocadas.[103]

A escolha do antibiótico empírico depende da idade do paciente e das condições que possivelmente predispuseram o paciente à meningite.[6][104]​​ O esquema escolhido deve ser amplo o suficiente para cobrir os organismos potenciais da faixa etária afetada, levando em consideração as taxas de suscetibilidade regionais.[59]

A maioria dos esquemas terapêuticos empíricos inclui uma cefalosporina de terceira geração associada a vancomicina. A ampicilina é adicionada em situações em que a Listeria monocytogenes pode ser um patógeno (por exemplo, idade >50 anos, imunocomprometidos e neonatos).[1] Sulfametoxazol/trimetoprima é uma alternativa à ampicilina (exceto neonatos) em pacientes com Listeria.[104][105]

A seguir, apresentamos uma proposta de estratégia de tratamento com base na idade e em fatores predisponentes específicos.[1][59][101][104]

  • Imunocompetente com idade ≤1 mês: ampicilina associada a cefotaxima. Se uma cefalosporina não puder ser administrada (por exemplo, pacientes com alergia), um esquema alternativo é ampicilina associada a um aminoglicosídeo (por exemplo, gentamicina)

  • Imunocompetente com idade entre >1 mês e <50 anos: cefotaxima ou ceftriaxona associada a vancomicina. Se uma cefalosporina não puder ser administrada (por exemplo, pacientes com alergia), um carbapenêmico (por exemplo, meropeném) associado a vancomicina pode ser considerado

  • Idade ≥50 anos ou imunocomprometidos (qualquer idade): ampicilina associada a cefotaxima ou ceftriaxona associada a vancomicina. Se não for possível administrar ampicilina (por exemplo, em pacientes com alergia), sulfametoxazol/trimetoprima pode ser considerado uma alternativa no lugar da ampicilina (excluindo neonatos, nos quais deve-se procurar aconselhamento especializado).

Corticosteroide adjuvante

A recomendação geral é que a dexametasona seja administrada a todos os pacientes com mais de 6 semanas de vida que apresentem características clínicas de meningite bacteriana.[6][64]​​[101][106][107]

A dexametasona reduz a inflamação no líquido cefalorraquidiano (LCR), que é amplificada por antibióticos bacteriolíticos. O momento de início dos corticoides varia. Nos EUA, a Infectious Diseases Society of America recomenda que a dexametasona seja iniciada imediatamente antes da, ou em conjunto com, primeira dose de antibióticos e mantida por 2 a 4 dias ou até que o organismo específico seja identificado.[6]​​[105]​​​​​​ As diretrizes europeias e do Reino Unido recomendam iniciar o tratamento com dexametasona pouco antes ou em conjunto com os antibióticos, ou dentro de 4 a 12 horas se já tiver sido iniciado.[64][105]

Uma vez isolado o organismo causador, o uso de dexametasona deve ser revisto; as diretrizes recomendam que ela seja mantida somente para meningite bacteriana causada por pneumococo ou Haemophilus influenzae do tipo B (Hib), pois eles apresentam as evidências mais fortes de benefício.[104][105]​​​[108]

As evidências sugerem que dexametasona em altas doses traz benefícios em relação a redução da mortalidade e da deficiência auditiva em adultos com meningite bacteriana.[108]​ Um estudo observacional de 1391 adultos com meningite bacteriana adquirida na comunidade também mostrou que a proporção de pacientes com desfechos desfavoráveis foi menor em indivíduos tratados com dexametasona adjuvante, em pacientes com meningite não pneumocócica e não associada a Haemophilus (com exceção de Listeria).[109]

Em crianças, os estudos demonstraram que os corticosteroides provavelmente reduzem a perda auditiva grave em pacientes com meningite por Hib, mas não necessariamente em crianças com meningite devido a espécies diferentes de Haemophilus.[110]​ Em uma metanálise de estudos clínicos publicados entre 1988 e 1996, a dexametasona adjuvante teve seu benefício confirmado na meningite por Hib e, se iniciada com ou antes da terapêutica antimicrobiana, sugeriu benefício para meningite pneumocócica em crianças.[111]

Uma grande metanálise mais recente descobriu que a administração de corticosteroides em baixas doses é benéfica em crianças na redução da perda auditiva e das sequelas neurológicas, bem como na redução do número médio de dias antes da resolução da febre.[112] Há evidências de baixa qualidade que sugerem que a dexametasona pode reduzir a morte e a perda auditiva em neonatos com meningite bacteriana.[113] Atualmente, no entanto, os corticosteroides não são recomendados em neonatos.[59]

A dexametasona geralmente não deve ser suspensa em pacientes imunocomprometidos. Em estudos nos quais foi administrada a pacientes com meningite bacteriana, incluindo aqueles com Listeria, a mortalidade tendeu a ser menor naqueles em terapia adjuvante com dexametasona em comparação àqueles sem terapia com dexametasona.[105][107]

O uso de dexametasona adjuvante na meningite por Listeria é controverso. Em um estudo de coorte prospectivo francês de pacientes com neurolisteriose, o uso de corticosteroides foi associado ao aumento da mortalidade, enquanto um estudo prospectivo holandês mostrou uma redução na mortalidade, mostrando que estudos adicionais são necessários.[114][115]​​ É aconselhável consultar um infectologista.

Terapia de suporte

O principal objetivo da terapia de suporte é restaurar e manter as funções respiratória, cardíaca e neurológica normais. As infecções meningocócicas podem evoluir com rapidez, e a deterioração clínica pode continuar mesmo com a administração imediata da terapêutica antimicrobiana.

A avaliação inicial deve seguir os princípios do suporte avançado de vida em adultos e em pediatria, avaliando-se as condições das vias aéreas, da respiração e da circulação e estabelecendo-se acesso intravenoso seguro por meio de cateteres de grosso calibre para a administração de líquidos.[116][117]

Os pacientes com sintomas de choque compensado (o estado neurológico geralmente permanece normal, mas a frequência cardíaca pode se mostrar persistentemente elevada, a pele pode apresentar manchas, os membros podem estar frios por causa do aumento da resistência vascular sistêmica e pode ocorrer aumento no tempo de enchimento capilar e diminuição no débito urinário) ou dificuldade respiratória devem receber oxigênio suplementar. Aqueles com choque descompensado (sinais de choque compensado associado a hipotensão), hipóxia, dificuldade respiratória grave, alteração do nível de consciência ou evidência de hipertensão intracraniana necessitam de intubação e ventilação mecânica.

A oxigenação adequada, a prevenção da hipoglicemia e da hiponatremia, a terapia anticonvulsivante para controlar e prevenir convulsões e a adoção de medidas para diminuir a pressão intracraniana e prevenir oscilações no fluxo sanguíneo cerebral são aspectos importantes no manejo de pacientes com meningite bacteriana.[9] Vasopressores devem ser administrados a pacientes com hipotensão ou má perfusão que não responderem prontamente à ressuscitação fluídica. Consulte um especialista para obter orientação sobre os esquemas de vasopressores/inotrópicos adequados. Se o paciente estiver hipovolêmico ou em choque (estado de diminuição na oxigenação de órgãos-alvo causada por um desequilíbrio entre o fornecimento de oxigênio para os tecidos e a demanda, resultando em deficit de oxigênio), deve-se administrar fluidoterapia intravenosa adicional. Uma revisão sistemática não revelou evidências suficientes para orientar a prática sobre se a manutenção ou os esquemas de administração de fluidos limitados devem ser usados.[118] No entanto, os fluidos devem ser administrados com cautela em pacientes com evidência de hipertensão intracraniana, disfunção miocárdica ou síndrome do desconforto respiratório agudo.


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Caso confirmado de meningite bacteriana

Após a confirmação do diagnóstico (geralmente entre 12-48 horas após a internação), a terapêutica antibacteriana pode ser modificada de acordo com o organismo causador e suas sensibilidades.[9][104]

Normalmente, a duração do tratamento antibacteriano depende da resposta clínica e da resposta microbiológica do LCR após o início do tratamento. Uma metanálise recente que analisou tratamentos mais curtos (até 7 dias) versus mais longos (10 dias ou o dobro do período curto) em crianças não encontrou diferenças em relação à falha do tratamento, recidiva, mortalidade, complicações neurológicas e/ou deficiência auditiva na alta e no acompanhamento.[133]

Terapias de suporte, como a reposição de fluidos, devem ser mantidas.

S pneumoniae (duração da terapia 10-14 dias)[104]

  • Sensível à penicilina (concentração inibitória mínima [CIM] ≤0.06 micrograma/mL): ampicilina ou benzilpenicilina. As alternativas incluem uma cefalosporina de terceira geração (por exemplo, ceftriaxona). Sensibilidade intermediária à penicilina (CIM = ≥0.12 micrograma/mL) ou sensibilidade intermediária à ceftriaxona (CIM <1 micrograma/mL): cefotaxima ou ceftriaxona. As alternativas incluem um carbapenêmico (por exemplo, meropeném) ou uma cefalosporina de quarta geração (por exemplo, cefepima). Resistente à penicilina (CIM ≥2.0 microgramas/mL) ou resistente à cefalosporina (CIM ≥1.0 micrograma/mL): vancomicina associada a cefotaxima ou ceftriaxona. As alternativas incluem vancomicina associada a uma fluoroquinolona.​​​​​[104][105]​​​​​[134]

H influenzae (duração da terapia 7-10 dias)[104]

  • Betalactamase negativa: ampicilina. As alternativas incluem uma cefalosporina de terceira ou quarta geração (por exemplo, ceftriaxona, cefepima) ou uma fluoroquinolona.

  • Betalactamase positiva: cefotaxima ou ceftriaxona. As alternativas incluem uma cefalosporina de quarta geração (por exemplo, cefepima) ou uma fluoroquinolona.

Streptococcus agalactiae (estreptococos do grupo B) (duração da terapia 14-21 dias)[104]

  • Ampicilina ou benzilpenicilina. As alternativas incluem uma cefalosporina de terceira geração (por exemplo, ceftriaxona, cefotaxima) ou vancomicina.

Escherichia coli e outras Enterobacteriaceae Gram-negativas (duração da terapia 21-28 dias)[104][105]

  • Ceftriaxona ou cefotaxima. As alternativas incluem aztreonam, uma fluoroquinolona, sulfametoxazol/trimetoprima, meropeném ou ampicilina.

Listeria monocytogenes (duração da terapia 21-28 dias)[104][105]

  • Gentamicina associada a ampicilina ou benzilpenicilina. As alternativas incluem sulfametoxazol/trimetoprima.

Staphylococcus aureus (duração da terapia depende da resposta microbiológica do LCR e comorbidades do paciente)[104][105]

  • Suscetível à meticilina: nafcilina ou oxacilina. As alternativas incluem vancomicina, linezolida ou daptomicina. Resistente à meticilina: vancomicina. As alternativas incluem sulfametoxazol/trimetoprima, linezolida ou daptomicina.

Staphylococcus epidermidis (duração da terapia depende da resposta microbiológica do LCR e comorbidades do paciente)[105][135]

  • Vancomicina. As alternativas incluem linezolida.

Pseudomonas aeruginosa (duração da terapia 21 dias)[105][136][137]

  • Ceftazidima. As alternativas incluem meropeném.

Espécies de enterococos (duração da terapia 21 dias)[100][105][138][139]

  • Ampicilina associada a gentamicina. As alternativas incluem vancomicina associada a gentamicina (se resistente à ampicilina) ou linezolida (se resistente à ampicilina e à vancomicina)

Espécies de Acinetobacter (duração da terapia 21 dias)[140]

  • Meropeném com ou sem gentamicina. Um esquema alternativo (em casos de resistência) inclui polimixina B intraventricular (administrada por via intratecal) associada a um aminoglicosídeo com ou sem rifampicina.

N meningitidis (duração da terapia 7 dias)[59][104][105]

  • Sensível à penicilina (CIM <0.1 micrograma/mL): ampicilina ou benzilpenicilina. As alternativas incluem uma cefalosporina de terceira geração (por exemplo, ceftriaxona). Sensibilidade intermediária à penicilina (CIM = 0.1 a 1.0 micrograma/mL): cefotaxima ou ceftriaxona. As alternativas incluem uma fluoroquinolona ou meropeném.

Os antibióticos fluoroquinolonas sistêmicos podem causar eventos adversos graves, incapacitantes e potencialmente duradouros ou irreversíveis. Eles incluem, entre outros: tendinopatia/ruptura tendínea; neuropatia periférica; artropatia/artralgia; aneurisma e dissecção da aorta; regurgitação de valva cardíaca; disglicemia; e efeitos sobre o sistema nervoso central, inclusive convulsões, depressão, psicose e pensamentos e comportamento suicidas.[141]

  • Aplicam-se restrições de prescrição ao uso das fluoroquinolonas, e essas restrições podem variar entre os países. Em geral, o uso das fluoroquinolonas deve ser restrito apenas às infecções bacterianas graves e com risco à vida. Algumas agências regulatórias também podem recomendar que eles sejam usados apenas em situações em que outros antibióticos comumente recomendados para a infecção sejam inadequados (por exemplo, resistência, contraindicações, falha do tratamento, indisponibilidade).

  • Consulte as diretrizes e a fonte de informações de medicamentos locais para obter mais informações sobre adequação, contraindicações e precauções.

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