Visão geral do uso crônico de bebidas alcoólicas

Última revisão: 23 Jan 2025
Última atualização: 17 Dec 2024

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Introdução

CondiçãoDescrição

Transtornos decorrentes do uso de bebidas alcoólicas

Os transtornos decorrentes do uso de bebidas alcoólicas são um padrão problemático de uso de bebidas alcoólicas que tiver causado comprometimento clinicamente significativo ou estresse psicossocial nos 12 meses anteriores.[2] Estima-se que 400 milhões de pessoas no mundo vivam com transtornos decorrentes do uso de bebidas alcoólicas.[1]​ O uso não saudável de bebidas alcoólicas inclui o espectro de consumo de bebidas alcoólicas de risco e os transtornos decorrentes do uso de bebidas alcoólicas. Os indivíduos com consumo de bebidas alcoólicas arriscado ou prejudicial têm um risco maior de desenvolverem um transtorno decorrente do uso de bebidas alcoólicas, mas não precisam desenvolver um transtorno diagnosticável para sofrer danos. A identificação precoce do uso não saudável de bebidas alcoólicas pode reduzir a morbidade e a mortalidade. O rastreamento de rotina para um uso não saudável de bebidas alcoólicas pode ajudar os médicos a identificarem o uso não saudável de bebidas alcoólicas, realizar intervenções breves para aqueles com uso de risco e tratar os transtornos decorrentes do uso de bebidas alcoólicas. Embora o diagnóstico de transtorno decorrente do uso de bebidas alcoólicas seja feito por uma anamnese abrangente e compassiva, o exame físico pode ajudar a estabelecer estigmas pelo uso de bebidas alcoólicas.

Abstinência alcoólica

A abstinência alcoólica ocorre nos pacientes com dependência alcoólica que tiverem suspendido ou reduzido o consumo de bebidas alcoólicas horas ou dias antes da manifestação. Identifique precocemente qualquer paciente com características de abstinência alcoólica grave. Esses pacientes precisam de tratamento urgente. Sintomas como ansiedade, náuseas ou vômitos, disfunção autonômica e insônia geralmente começam de 6 a 24 horas após a última bebida alcoólica do paciente.[3] Isso pode evoluir para abstinência grave com convulsões, transtornos psiquiátricos e delirium tremens.[2][4]

Doença hepática relacionada ao álcool (DHRA)

A DHRA apresenta três estágios de dano hepático: fígado gorduroso (esteatose), hepatite alcoólica (inflamação e necrose) e cirrose hepática alcoólica. Todos são causados pelo consumo abusivo de bebidas alcoólicas crônico. Uma revisão sistemática e metanálise constatou que a prevalência da DHRA e as proporções de cirrose e carcinoma hepatocelular atribuíveis a bebidas alcoólicas são menores na Ásia, em comparação com os países ocidentais.[5]​ O quadro clínico é altamente variável. Uma história detalhada da quantidade e da duração do consumo de álcool, em conjunto com um exame físico e exames laboratoriais adequados, é essencial no diagnóstico da DHRA. Os principais fatores de risco incluem um consumo prolongado de grandes quantidades de álcool, a presença de hepatite C e o sexo feminino.

Cirrose

O estágio patológico terminal de qualquer doença hepática crônica. As causas mais comuns de cirrose são a DHRA, a doença hepática gordurosa associada a disfunção metabólica (DHGDM [anteriormente conhecida como doença hepática gordurosa não alcoólica] e a esteatose hepática associada), e a hepatite viral crônica.[6][7]​ Em 2019, o álcool foi responsável por 42% das mortes de pessoas com cirrose hepática no mundo.[1]​ A avaliação de um paciente com suspeita de doença hepática crônica e cirrose deve iniciar com uma história detalhada, identificando a presença de fatores de risco para as diferentes causas de cirrose. Em seguida, os pacientes devem ser submetidos a um exame físico detalhado para esclarecer quaisquer sinais de doença hepática crônica ou complicações de cirrose. Um painel completo de exames de sangue deve ser realizado para verificar o grau de gravidade da doença. As principais complicações da cirrose estão relacionadas ao desenvolvimento de insuficiência hepática e hipertensão portal e incluem a ascite, a hemorragia varicosa, a icterícia, a encefalopatia portossistêmica, lesão renal aguda e síndromes hepatopulmonares, além do desenvolvimento de carcinoma hepatocelular.

Insuficiência hepática aguda (IHA)

A IHA é uma afecção rara, potencialmente reversível e de risco à vida, definida por um declínio rápido da função hepática, caracterizada por icterícia, coagulopatia (INR >1.5), e encefalopatia hepática em pacientes sem evidência de doença hepática prévia.[8][9][10]​​ A IHA é um evento raro, com menos de 10 casos por milhão de pessoas ao ano nos países desenvolvidos.[11]​ O abuso de álcool crônico é um fator de risco significativo para o desenvolvimento de IHA. O diagnóstico de IHA é estabelecido por meio da realização de uma anamnese minuciosa, incluindo a cronologia dos eventos anteriores à manifestação, exame físico, exames laboratoriais. O reconhecimento, o diagnóstico e o prognóstico precoces são fundamentais para se estabelecer uma estratégia ideal de tratamento nos pacientes com IHA.

Encefalopatia hepática

Uma disfunção cerebral causada por insuficiência hepática e/ou anastomose portossistêmica. Ela se manifesta na forma de um amplo espectro de anormalidades neurológicas ou psiquiátricas que variam de alterações subclínicas a coma.[12] Acredita-se que suas causas sejam multifatoriais, resultando em exposição do cérebro à amônia que tiver se desviado do fígado através das anastomoses portossistêmicas. O diagnóstico se baseia nos deficit neurológicos reportados em combinação com anormalidades laboratoriais mostrando disfunção hepática grave.

Pancreatite aguda

Transtorno do pâncreas exócrino associado a lesão das células acinares com respostas inflamatórias locais e sistêmicas.[13] O sintoma manifesto mais comum é uma dor na região epigástrica média ou no quadrante superior esquerdo que irradia para as costas. O desconforto epigástrico é típico. Os cálculos biliares e o consumo excessivo de álcool são responsáveis por aproximadamente 70% a 80% dos casos de pancreatite aguda.[14]​ A quantidade média de ingestão de bebidas alcoólicas nos pacientes com pancreatite aguda é 150 a 175 g por dia.[15][16]​ O diagnóstico é confirmado na maioria dos pacientes pelo aumento da lipase ou da amilase séricas (>3 vezes o limite superior do normal). A tomografia computadorizada helicoidal com contraste só é necessária quando há dúvida diagnóstica ou não há melhora em até 72 a 96 horas após o início dos sintomas.

Pancreatite crônica

A pancreatite crônica é comumente associada a uma ingestão crônica de bebidas alcoólicas (>75%). Ao contrário da pancreatite aguda recorrente, a pancreatite crônica é caracterizada por dor abdominal epigástrica que irradia para as costas, esteatorreia, desnutrição, redução da função exócrina pancreática, má absorção, diabetes mellitus e calcificações pancreáticas. O diagnóstico se baseia em achados clínicos e exames de imagem. Entre os fatores associados necessários para induzir a pancreatite alcoólica estão fatores anatômicos, ambientais e/ou genéticos, já que poucas pessoas com dependência alcoólica crônica desenvolvem a doença (não mais que 10% e, provavelmente, <3%).[17][18]

Encefalopatia de Wernicke

Uma emergência neurológica resultante da deficiência de tiamina com manifestações neurocognitivas variadas, geralmente envolvendo alterações do estado mental, marcha e disfunção oculomotora (oftalmoplegia). Essa tríade pode estar presente em até 16% dos pacientes com encefalopatia de Wernicke; cerca de 19% dos pacientes podem se apresentar sem quaisquer sinais clássicos.[19]​ Nas pessoas com dependência alcoólica crônica, a deficiência de tiamina é resultado de uma combinação de fatores: pouca ingestão alimentar, baixo conteúdo de vitaminas nas bebidas alcoólicas, baixa capacidade de armazenamento do fígado, baixa absorção intestinal, conversão prejudicada de tiamina em sua forma ativa (pirofosfato de tiamina), e o aumento da demanda para metabolizar os carboidratos nas bebidas alcoólicas.[20]

Transtornos do espectro alcoólico fetal

Referem-se a um grupo de doenças que podem resultar da exposição fetal a bebidas alcoólicas.[21] Os transtornos incluem síndrome alcoólica fetal (SAF), SAF parcial, transtorno do neurodesenvolvimento relacionado ao uso de álcool e malformações congênitas relacionadas ao álcool. Em uma metanálise de 2017, a prevalência global de transtornos do espectro alcoólico fetal foi estimada em 8 em 1000 na população em geral, com prevalência superior a 1% em 76 de 187 países.[22]​ A SAF se caracteriza por restrição de crescimento pré-natal e pós-parto, dismorfia facial específica e anormalidades estruturais e/ou funcionais do sistema nervoso central. A prevenção é uma prioridade, pois uma lesão cerebral sustentada no útero é permanente e está associada a problemas físicos, mentais, comportamentais e de aprendizagem graves. O diagnóstico precoce pode evitar deficiências secundárias, mas muitos médicos não têm conhecimento de ou se confundem com os critérios diagnósticos e as terminologias existentes.

Avaliação da disfunção hepática

A avaliação das pacientes com testes hepáticos anormais deve ser guiada pela história, risco para doença hepática, duração e gravidade dos achados clínicos, presença de comorbidades, natureza da anormalidade observada no teste hepático, e exames e biópsias relevantes.[23]​ A hepatopatia alcoólica crônica e a hepatite alcoólica aguda estão associadas à elevação das aminotransferases séricas.[24] A gama-glutamiltransferase elevada se relaciona com um consumo excessivo de álcool; no entanto, elevações isoladas da gama-glutamiltransferase são comuns, e muitas vezes insignificantes, de modo que muitas instituições têm optado por excluir este teste de seu painel de teste hepático.

Avaliação do delirium

Delirium é uma alteração flutuante e aguda no estado mental, com desatenção, pensamento desorganizado e níveis alterados de consciência.[25] O delirium pode ser resultado de cetoacidose alcoólica (observada com o abuso crônico de álcool e após o consumo esporádico intenso de álcool [binge drinking]), e pode ocorrer na encefalopatia de Wernicke e na psicose de Korsakoff, associadas à deficiência de tiamina. O delirium pode estar associado à abstinência de medicamentos (benzodiazepínicos) e bebidas alcoólicas, e isso deve ser considerado em todos os casos.[26]

Avaliação da polineuropatia

Uma polineuropatia é uma doença generalizada dos nervos periféricos devida a danos aos axônios e/ou à bainha de mielina. Com maior frequência, manifesta-se como dormência simétrica, parestesia e disestesia nos pés e nos membros inferiores distais (polineuropatia sensório-motora simétrica distal). Nos casos graves, os sintomas e sinais sensoriais evoluem em direção proximal para enquadrar-se em uma distribuição em meias ou luvas. O equilíbrio e a marcha podem estar prejudicados. O transtorno decorrente do uso de bebidas alcoólicas é um fator de risco para deficiências de tiamina e piridoxina, que são possíveis causas de polineuropatia. A polineuropatia relacionada ao etanol associada a transtornos decorrentes do uso de bebidas alcoólicas pode ser causada pela toxicidade direta do etanol sobre o nervo e/ou por deficiências nutricionais concomitantes.

Avaliação da hemorragia digestiva alta

A hemorragia digestiva alta se refere ao sangramento gastrointestinal cuja origem é proximal ao ligamento de Treitz na junção duodenojejunal. As causas são múltiplas, mas nos países desenvolvidos a hemorragia geralmente é secundária a úlcera péptica, erosões, esofagite ou varizes. Qualquer história de uso crônico e excessivo de álcool, droga intravenosa (ou outro comportamento que ponha as pessoas em risco de contrair hepatite), ou de doença hepática subjacente, sugere fortemente um sangramento varicoso. A importância da anamnese e do exame físico completo deve ser extremamente enfatizada, pois eles possibilitam a triagem rápida dos pacientes que necessitam de cuidados em uma enfermaria ou unidade de terapia intensiva e também possibilitam priorizar os pacientes para a endoscopia de urgência versus a de emergência. A mortalidade é secundária ao choque hipovolêmico.

Colaboradores

Autores

Editorial Team

BMJ Publishing Group

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