A dor abdominal crônica é definida como um desconforto abdominal contínuo ou intermitente durante pelo menos 3 meses.[1]Treede RD, Rief W, Barke A, et al. Chronic pain as a symptom or a disease: the IASP classification of chronic pain for the International Classification of Diseases (ICD-11). Pain. 2019 Jan;160(1):19-27.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30586067?tool=bestpractice.com
A dor pode surgir de qualquer sistema, incluindo os tratos geniturinário, gastrointestinal e ginecológico. A etiologia da dor abdominal crônica é tão ampla que apenas as causas mais comuns serão tratadas aqui. Nem sempre existe uma relação evidente com uma estrutura anatômica ou um processo subjacente.
O diagnóstico e o tratamento dos pacientes com dor abdominal crônica geralmente são desafiadores, e pode ser uma experiência frustrante tanto para os médicos quanto para os pacientes. Os fatores que contribuem para isso incluem a baixa sensibilidade da história e do exame físico, o diagnóstico diferencial amplo que abrange diversas especialidades e a investigação diagnóstica geralmente negativa.
Classificação
A dor abdominal crônica é dividida em etiologias orgânicas e funcionais.[2]Yarger E, Sandberg K. Updates in diagnosis and management of chronic abdominal pain. Curr Probl Pediatr Adolesc Health Care. 2020 Aug;50(8):100840.
https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1538544220301061?via%3Dihub
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As etiologias orgânicas têm uma causa anatômica, fisiológica ou metabólica evidente. Apesar de uma avaliação diagnóstica completa, a dor abdominal crônica sem uma causa evidente é geralmente denominada como um transtorno funcional.[3]Sabo CM, Grad S, Dumitrascu DL. Chronic abdominal pain in general practice. Dig Dis. 2021;39(6):606-14.
https://karger.com/ddi/article/39/6/606/822861/Chronic-Abdominal-Pain-in-General-Practice
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/33631744?tool=bestpractice.com
Acredita-se que a dor abdominal funcional se origine de hipersensibilidade visceral e de alteração da motilidade multifatoriais, e de uma função alterada do eixo intestino-cérebro.[4]Korterink J, Devanarayana NM, Rajindrajith S, et al. Childhood functional abdominal pain: mechanisms and management. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2015 Mar;12(3):159-71.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25666642?tool=bestpractice.com
É menos provável que a dor abdominal crônica, comparada à dor abdominal aguda, revele uma patologia orgânica subjacente. A dor abdominal aguda geralmente indica uma alteração fisiológica súbita, como um órgão com cavidade perfurada ou obstruída, infecção, inflamação ou um evento isquêmico súbito.
Epidemiologia
A dor abdominal crônica é uma queixa comum na unidade básica de saúde e em clínicas subespecializadas.[3]Sabo CM, Grad S, Dumitrascu DL. Chronic abdominal pain in general practice. Dig Dis. 2021;39(6):606-14.
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A incidência da dor abdominal não especificada é de 22.3 a cada 1000 pessoas/ano.[5]Wallander MA, Johansson S, Ruigomez A, et al. Unspecified abdominal pain in primary care: the role of gastrointestinal morbidity. Int J Clin Pract. 2007 Oct;61(10):1663-70.
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Em uma metanálise internacional, a prevalência de consultas na atenção primária para dores abdominais é de 2.8%.[6]Viniol A, Keunecke C, Biroga T, et al. Studies of the symptom abdominal pain--a systematic review and meta-analysis. Fam Pract. 2014 Oct;31(5):517-29.
https://academic.oup.com/fampra/article/31/5/517/537129?login=false
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24987023?tool=bestpractice.com
Mais da metade dos pacientes que apresentam sintoma de dor abdominal não têm um diagnóstico causador.[6]Viniol A, Keunecke C, Biroga T, et al. Studies of the symptom abdominal pain--a systematic review and meta-analysis. Fam Pract. 2014 Oct;31(5):517-29.
https://academic.oup.com/fampra/article/31/5/517/537129?login=false
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[7]Freeman TR, Stewart M, Léger D, et al. Natural history of abdominal pain in family practice: longitudinal study of electronic medical record data in southwestern Ontario. Can Fam Physician. 2023 May;69(5):341-51.
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[8]Price SJ, Gibson N, Hamilton WT, et al. Diagnoses after newly recorded abdominal pain in primary care: observational cohort study. Br J Gen Pract. 2022 Aug;72(721):e564-70.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/35760565
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Uma pesquisa transversal realizada com adultos norte-americanos relatou uma prevalência de dor abdominal em 21.8% na população em geral.[9]Sandler RS, Stewart WF, Liberman JN, et al. Abdominal pain, bloating, and diarrhea in the United States: prevalence and impact. Dig Dis Sci. 2000 Jun;45(6):1166-71.
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As mulheres têm maior probabilidade que os homens de relatarem dor abdominal crônica.[3]Sabo CM, Grad S, Dumitrascu DL. Chronic abdominal pain in general practice. Dig Dis. 2021;39(6):606-14.
https://karger.com/ddi/article/39/6/606/822861/Chronic-Abdominal-Pain-in-General-Practice
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/33631744?tool=bestpractice.com
Nos EUA, a dor abdominal é o sintoma e diagnóstico mais comum de doenças gastrointestinais que justifica uma visita a um serviço de saúde.[10]Peery AF, Crockett SD, Murphy CC, et al. Burden and cost of gastrointestinal, liver, and pancreatic diseases in the United States: update 2021. Gastroenterology. 2022 Feb;162(2):621-44.
https://www.gastrojournal.org/article/S0016-5085(21)03655-6/fulltext?referrer=https%3A%2F%2Fpubmed.ncbi.nlm.nih.gov%2F
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/34678215?tool=bestpractice.com
No entanto, em uma pesquisa realizada nos EUA com adultos com história de dor abdominal, quase 40% não procuraram atendimento médico para seus sintomas.[11]Lakhoo K, Almario CV, Khalil C, et al. Prevalence and characteristics of abdominal pain in the United States. Clin Gastroenterol Hepatol. 2021 Sep;19(9):1864-72.e5.
https://www.cghjournal.org/article/S1542-3565(20)30929-0/fulltext
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/32629129?tool=bestpractice.com
No mundo todo, a prevalência de distúrbios gastrointestinais funcionais (DGIF, também conhecidos como distúrbios da interação intestino-cérebro) em adultos é superior a 40%.[12]Sperber AD, Bangdiwala SI, Drossman DA, et al. Worldwide prevalence and burden of functional gastrointestinal disorders, results of Rome Foundation Global Study. Gastroenterology. 2021 Jan;160(1):99-114.e3.
https://www.gastrojournal.org/article/S0016-5085(20)30487-X/fulltext?referrer=https%3A%2F%2Fpubmed.ncbi.nlm.nih.gov%2F
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/32294476?tool=bestpractice.com
Os distúrbios gastrointestinais funcionais (DGIF) são heterogêneos, e a síndrome do intestino irritável e a dispepsia funcional são os mais comuns.[12]Sperber AD, Bangdiwala SI, Drossman DA, et al. Worldwide prevalence and burden of functional gastrointestinal disorders, results of Rome Foundation Global Study. Gastroenterology. 2021 Jan;160(1):99-114.e3.
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No entanto, a dor associada a esses transtornos é inespecífica e pode assemelhar-se ou coexistir com transtornos orgânicos.[13]Colombel JF, Shin A, Gibson PR. AGA clinical practice update on functional gastrointestinal symptoms in patients with inflammatory bowel disease: expert review. Clin Gastroenterol Hepatol. 2019 Feb;17(3):380-90.e1.
https://www.cghjournal.org/article/S1542-3565(18)30810-3/fulltext
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30099108?tool=bestpractice.com
Um subgrupo de pacientes com distúrbios gastrointestinais funcionais (DGIF) não apresenta resposta à terapia de primeira linha e tem dor abdominal crônica persistente.[14]Keefer L, Ko CW, Ford AC. AGA clinical practice update on management of chronic gastrointestinal pain in disorders of gut-brain interaction: expert review. Clin Gastroenterol Hepatol. 2021 Dec;19(12):2481-8.e1.
https://www.cghjournal.org/article/S1542-3565(21)00717-5/fulltext
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/34229040?tool=bestpractice.com
A prevalência da dor abdominal crônica em crianças varia muito (4% a 53%).[15]King S, Chambers CT, Huguet A, et al. The epidemiology of chronic pain in children and adolescents revisited: a systematic review. Pain. 2011 Dec;152(12):2729-38.
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[16]Tutelman PR, Langley CL, Chambers CT, et al. Epidemiology of chronic pain in children and adolescents: a protocol for a systematic review update. BMJ Open. 2021 Feb 16;11(2):e043675.
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[17]World Health Organization. Guidelines on the management of chronic pain in children. Dec 2020 [internet publication].
https://www.who.int/publications/i/item/9789240017870
A prevalência da dor abdominal funcional pediátrica é de 13.5%.[18]Korterink JJ, Diederen K, Benninga MA, et al. Epidemiology of pediatric functional abdominal pain disorders: a meta-analysis. PLoS One. 2015 May 20;10(5):e0126982.
https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0126982
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25992621?tool=bestpractice.com