Claudicação
Claudicação é definida como uma marcha assimétrica, e é um desvio do padrão de marcha normal esperado para a idade da criança. As causas podem variar de benignas a causas com possível risco de vida (por exemplo, infecção, tumores, abuso infantil). A avaliação apropriada requer entendimento e conhecimento dos padrões de marcha normais e anormais, das causas em potencial e dos "sinais de alerta".[1]Beresford MW, Cleary AG. Evaluation of a limping child. Curr Pediatr. 2005 Feb 1;15(1):15-22.[2]Payares-Lizano M. The Limping Child. Pediatr Clin North Am. 2020 Feb;67(1):119-138.
https://www.doi.org/10.1016/j.pcl.2019.09.009
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/31779828?tool=bestpractice.com
A avaliação da claudicação dependerá do fato de a manifestação ser aguda ou não.[3]Kimura Y. Common presenting problems. In: Arthritis in children and adolescents: juvenile idiopathic arthritis. Szer I, Kimura Y, Malleson PN, et al (eds). Oxford: Oxford University Press; 2006:24-48.
Trauma é a causa mais comum de claudicação, embora o potencial de causas graves ou com risco de vida exija uma avaliação clínica completa e investigações apropriadas. Os desafios envolvidos na definição de um diagnóstico incluem a possível dificuldade de obter a história do cuidador da criança, uma sintomatologia não localizada ou, às vezes, vaga e uma possível história de trauma não presenciado.
O exame cuidadoso de todas as articulações é necessário, além de uma avaliação geral incluindo avaliações abdominais, neurológicas e desenvolvimentais.[4]Foster HE, Cabral DA. Is musculoskeletal history and examination so different in paediatrics? Best Pract Res Clin Rheumatol. 2006 Apr;20(2):241-62.
https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1521694205001245?via%3Dihub
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16546055?tool=bestpractice.com
Mais informações sobre a medicina musculoesquelética pediátrica, incluindo sinais de alerta, demonstrações em vídeo de exames da articulação (pGALS, pREMS), investigações e orientações de encaminhamento, estão disponíveis em Paediatric Musculoskeletal Medicine (PMM).
Paediatric Musculoskeletal Matters (PMM): an e-resource to aid teaching and learning about the essentials of paediatric musculoskeletal medicine
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Marcos do desenvolvimento motor normal
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Marcos do desenvolvimento motor normal [Citation ends].
Reflexos primitivos persistentes por mais de 6 meses são sugestivos de problemas neurológicos, como paralisia cerebral.
Padrões de marcha normais
A criança pequena tem uma marcha base ampla se apoiar, e parece dar passos altos com os pés chatos e os braços bem esticados para ter equilíbrio. As pernas são rotacionadas externamente, com um leve arqueamento. O apoio do calcanhar se desenvolve por volta dos 15 aos 18 meses com balanço do braço recíproco. Correr e mudar de direção ocorrem depois dos 2 anos de idade.
Em crianças em idade escolar, o comprimento do passo aumenta e a frequência de passos diminui. A marcha e a postura adultas ocorrem por volta dos 8 anos de idade. Existe uma variação considerável entre os padrões de marcha normais e as idades em que ocorrem alterações, e isso parece estar relacionado à história familiar.
Variações normais
O alinhamento das pernas varia com a idade e geralmente é influenciado por uma história familiar do mesmo padrão.[5]Sass P, Hassan G. Lower extremity abnormalities in children. Am Fam Physician. 2003 Aug 1;68(3):461-8.
https://www.aafp.org/afp/2003/0801/p461.html
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12924829?tool=bestpractice.com
Marcha digitígrada habitual é comum em crianças pequenas com até 3 anos. O desvio dos pés para dentro pode decorrer de anteversão femoral persistente e caracteriza-se pela criança andando com as patelas e os pés apontando para dentro (comum entre os 3 e 8 anos de idade).
A torção tibial interna é caracterizada pela criança andando com as patelas voltadas para fora e a ponta dos pés para dentro (comum desde quando a criança aprende a andar até os 3 anos).
O metatarso varo é caracterizado por uma borda lateral flexível "em forma de C" do pé. A maioria dos casos remite até os 6 anos de idade.
Pernas arqueadas (geno varo) são comuns desde o nascimento até a primeira infância, geralmente com desvio dos pés para fora (desvio máximo em aproximadamente 1 ano). A maioria dos casos remite até os 18 meses.
Joelhos em X (geno valgo). Geralmente associado ao desvio dos pés para dentro. A maioria dos casos remite até os 7 anos de idade.
Pés chatos. A maioria das crianças tem pés flexíveis com arco normal ao ficar na ponta dos pés. Os pés chatos geralmente remitem até os 6 anos de idade.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Pé chato e arcos normais na ponta do péDo acervo pessoal de Dr. Foster; usado com permissão [Citation ends].
Pododáctilos tortos. A maioria dos casos remite com a sustentação de peso.
É preciso se preocupar quando essas variações normais são persistentes (isto é, permanecem depois da faixa etária esperada), quando as alterações são progressivas ou assimétricas, ou quando há dor e limitação funcional ou evidência de doença neurológica.
Em crianças com pernas arqueadas ou joelhos em X, é importante considerar radiografias se a criança for baixa (uma altura inferior ao 25° percentil levanta suspeitas de raquitismo hipofosfatêmico ou displasias esqueléticas) ou tiver geno varo ou alinhamento assimétrico das pernas.[6]Greene WB. Genu varum and genu valgum in children: differential diagnosis and guidelines for evaluation. Compr Ther. 1996 Jan;22(1):22-9.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/8654021?tool=bestpractice.com
Padrões de marcha anormais
Marcha antálgica
Menos tempo gasto sustentando o peso no lado afetado.
Espectro das causas possíveis (por exemplo, trauma na sola dos pés, osteomielite vertebral). Trauma não presenciado é comum em crianças pequenas. A criança não tem disposição para sustentar peso, de modo que algum grau de suspeita é necessário.
Pode ser observada na artrite idiopática juvenil, embora as crianças nem sempre se queixem de dor.[7]McGhee JL, Burks FN, Sheckels JL, et al. Identifying children with chronic arthritis based on chief complaints: absence of predictive value for musculoskeletal pain as an indicator of rheumatic disease in children. Pediatrics. 2002 Aug;110(2 Pt 1):354-9.
https://pediatrics.aappublications.org/content/110/2/354.long
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12165590?tool=bestpractice.com
Marcha de circundução ("perna de pau")
Abdução excessiva do quadril conforme a perna gira para frente.
Tipicamente observada com uma discrepância de comprimento de membros inferiores, com movimento articular rígido/restrito como ocorre na artrite idiopática juvenil, ou com espasticidade unilateral como ocorre na paralisia cerebral hemiplégica.
Marcha espástica
Marcha arrastada com o pé rígido e invertido. Costuma ser observado na doença do neurônio motor superior (por exemplo, paralisia cerebral diplégica ou quadriplégica, acidente vascular cerebral [AVC]).
Marcha atáxica
Marcha instável com base alternando entre estreita e ampla.
Observada na paralisia cerebral atáxica com acometimento cerebelar, ataxia cerebelar e ataxia de Friedreich.
Marcha de Trendelenburg
Resulta de fraqueza da musculatura abdutora da articulação do quadril. Ao sustentar peso no lado ipsilateral, a pelve cai no lado contralateral em vez de levantar como ocorre normalmente. Com doença do quadril bilateral, isso resulta em uma marcha anserina com quadris, joelhos e pés rotacionados externamente.
Pode ser observada na doença de Legg-Calvé-Perthes, na epifisiólise proximal do fêmur, na displasia do desenvolvimento do quadril, na artrite idiopática juvenil envolvendo o quadril, na doença muscular (dermatomiosite juvenil ou miopatias hereditárias) e nas doenças neurológicas (espinha bífida, paralisia cerebral e lesão na medula espinhal).
Marcha digitígrada ("equina") sem contato do calcanhar
Marcha digitígrada habitual é comum em crianças e está associada a tônus e amplitude de movimentos ao redor dos pés normais e marcha normal mediante solicitação. No entanto, marcha digitígrada persistente é observada nas doenças do neurônio motor superior (por exemplo, paralisia cerebral diplégica) e pode ser uma manifestação de distúrbio do armazenamento lisossomal leve.
Marcha escarvante
A perna inteira é levantada no quadril para facilitar o movimento de levantar o pé do chão. Ocorre com dorsiflexores fracos do tornozelo, compensada pelo aumento da flexão do joelho (isto é, marcha com pé pendente).
Observada nas doenças do neurônio motor inferior (por exemplo, espinha bífida, poliomielite) e neuropatias periféricas (por exemplo, doença de Charcot-Marie-Tooth).
Marcha "desajeitada
Esse termo costuma ser usado para descrever dificuldades de coordenação motora (capacidades motoras finas e grossas). A criança pode apresentar quedas frequentes e dificuldade nas habilidades de autoajuda como se vestir ou se alimentar na escola. Escrita inadequada e dificuldades de aprendizagem podem ser observadas.
É importante descartar deficiências neurológicas leves específicas (paralisia cerebral, ataxia cerebelar ou distúrbios do neurônio motor inferior), miopatias ou artrites inflamatórias indolentes e problemas ortopédicos como desvio dos pés para dentro. Distúrbios metabólicos que podem se manifestar com "marcha desajeitada" também devem ser considerados.