O termo abdome agudo refere-se ao rápido aparecimento de sintomas graves que podem indicar uma patologia intra-abdominal com risco de vida e que requer intervenção cirúrgica urgente.
Características clínicas
A dor abdominal é geralmente uma característica do quadro clínico, mas o abdome agudo pode ocorrer sem apresentar dor, especialmente em idosos, em crianças, em pessoas imunocomprometidas e no último trimestre de gestação. Sintomas abdominais agudos são comuns.[1]Flasar MH, Cross R, Goldberg E. Acute abdominal pain. Prim Care. 2006 Sep;33(3):659-84.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17088154?tool=bestpractice.com
[2]Silen W. Cope's early diagnosis of the acute abdomen. 18th ed. New York, NY: Oxford Press; 1991.[3]Jung PJ, Merrell RC. Acute abdomen. Gastroenterol Clin North Am. 1988 Jun;17(2):227-44.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/3049343?tool=bestpractice.com
As estimativas variam, mas um estudo da dor na parte superior do abdome identificou uma prevalência de cerca de 50%,[4]Heading RC. Prevalence of upper gastrointestinal symptoms in the general population: a systematic review. Scand J Gastroenterol Suppl. 1999;231:3-8.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10565617?tool=bestpractice.com
ao passo que uma grande pesquisa por telefone detectou que 45% das pessoas apresentaram ao menos um sintoma no trato gastrointestinal superior nos 3 meses que antecederam a pesquisa.[5]Camilleri M, Dubois D, Coulie B, et al. Prevalence and socioeconomic impact of upper gastrointestinal disorders in the United States: results of the US Upper Gastrointestinal Study. Clin Gastroenterol Hepatol. 2005 Jun;3(6):543-52.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15952096?tool=bestpractice.com
A dor abdominal aguda é uma apresentação frequente no pronto-socorro. A dor pode:
Estar localizada em qualquer área do abdome
Ser intermitente, aguda, importuna, intensa ou penetrante
Radiar de um local focal
Ser acompanhada de náuseas e vômitos.
A avaliação imediata deve se concentrar na diferenciação dos pacientes com abdome agudo verdadeiro e que exigem intervenção cirúrgica urgente, dos pacientes que podem, inicialmente, ser tratados de forma conservadora.[2]Silen W. Cope's early diagnosis of the acute abdomen. 18th ed. New York, NY: Oxford Press; 1991. Dados do Reino Unido sugerem que o acesso a um cirurgião experiente reduz hospitalizações desnecessárias.[6]Association of Surgeons of Great Britain and Ireland. Commissioning guide: emergency general surgery (acute abdominal pain). April 2014 [internet publication].
https://www.evidence.nhs.uk/document?id=2092186&returnUrl=search%3fq%3d%25e2%2580%258bCommissioning%2bguide%253a%2bemergency%2bgeneral%2bsurgery%25e2%2580%258b&q=%E2%80%8BCommissioning+guide%3a+emergency+general+surgery%E2%80%8B
Um paciente com patologia cirúrgica aguda pode piorar rapidamente; portanto, pacientes com sintomas graves e persistentes nas primeiras horas requerem uma investigação cuidadosa e um acompanhamento rigoroso.
Investigação diagnóstica
Um abdome agudo é diagnosticado pela combinação de história, exame físico, radiografia e resultados laboratoriais. Quando os sintomas não requerem a cirurgia imediata, e quando as imagens não levam a um diagnóstico definitivo, novos exames abdominais efetuados por um médico experiente podem ajudar a determinar a causa subjacente.[3]Jung PJ, Merrell RC. Acute abdomen. Gastroenterol Clin North Am. 1988 Jun;17(2):227-44.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/3049343?tool=bestpractice.com
Como alternativa, a laparoscopia diagnóstica pode ser considerada em pacientes selecionados.[7]Stefanidis D, Richardson WS, Chang L, et al. The role of diagnostic laparoscopy for acute abdominal conditions: an evidence-based review. Surg Endosc. 2009 Jan;23(1):16-23.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18814014?tool=bestpractice.com
[8]Maggio AQ, Reece-Smith AM, Tang TY, et al. Early laparoscopy versus active observation in acute abdominal pain: systematic review and meta-analysis. Int J Surg. 2008 Oct;6(5):400-3.
http://www.journal-surgery.net/article/S1743-9191(08)00086-1/fulltext
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18760983?tool=bestpractice.com
[9]Society of American Gastrointestinal and Endoscopic Surgeons. Guidelines for Diagnostic Laparoscopy. April 2010 [internet publication].
https://www.sages.org/publications/guidelines/guidelines-for-diagnostic-laparoscopy/
A laparoscopia não apenas é uma ferramenta útil para o diagnóstico, mas é cada vez mais usada como uma medida terapêutica para apendicite, colecistite, lise de aderências, reparo de hérnia e muitas causas ginecológicas de abdome agudo.
A precisão diagnóstica pode ser aprimorada com a utilização de algoritmos ou ferramentas de decisão, embora sejam necessários mais estudos prospectivos para avaliar completamente seu uso clínico. O escore da resposta inflamatória da apendicite (Appendicitis Inflammatory Response [AIR]) e a nova calculadora de risco de apendicite pediátrica (Pediatric Appendicitis Risk Calculator [pARC]) demonstraram ajudar a estratificar o risco de apendicite em pacientes com dor abdominal aguda.[10]Scott AJ, Mason SE, Arunakirinathan M, et al. Risk stratification by the Appendicitis Inflammatory Response score to guide decision-making in patients with suspected appendicitis. Br J Surg. 2015 Apr;102(5):563-72.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25727811?tool=bestpractice.com
[11]Kharbanda AB, Vazquez-Benitez G, Ballard DW, et al. Development and validation of a novel Pediatric Appendicitis Risk Calculator (pARC). Pediatrics. 2018 Apr;141(4).
https://pediatrics.aappublications.org/content/141/4/e20172699.long
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/29535251?tool=bestpractice.com
Analgesia com narcóticos
O uso de analgesia com narcóticos em pacientes com abdome agudo sem diagnóstico tem sido tradicionalmente desencorajado.[12]Manterola C, Vial M, Moraga J, et al. Analgesia in patients with acute abdominal pain. Cochrane Database Syst Rev. 2011 Jan 19;(1):CD005660.
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/14651858.CD005660.pub3/full
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21249672?tool=bestpractice.com
[13]Helfand M, Freeman M. Assessment and management of acute pain in adult medical inpatients: a systematic review. Pain Med. 2009 Oct;10(7):1183-99.
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1526-4637.2009.00718.x/full
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19818030?tool=bestpractice.com
Isso por conta das preocupações de que os sintomas poderiam ser mascarados, o exame físico prejudicado e, portanto, o diagnóstico correto seria dificultado. No entanto, revisões recentes sugerem que a analgesia com narcóticos não prejudica o tratamento e melhora o conforto do paciente.[12]Manterola C, Vial M, Moraga J, et al. Analgesia in patients with acute abdominal pain. Cochrane Database Syst Rev. 2011 Jan 19;(1):CD005660.
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/14651858.CD005660.pub3/full
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21249672?tool=bestpractice.com
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In people with acute abdominal pain with an undiagnosed cause, how does the use of opioid analgesia affect the clinical evaluation process?/cca.html?targetUrl=http://cochraneclinicalanswers.com/doi/10.1002/cca.536/fullMostre-me a resposta A fentanila ou um dos seus análogos pode ser um agente útil nesta situação, devido à combinação de potência e meia-vida curta.
Grupos especiais
A dor abdominal em pacientes idosos, imunocomprometidos e gestantes geralmente se manifesta de forma atípica. Combinada com a falta de entendimento das alterações fisiológicas na resposta desses pacientes a determinadas doenças, isso significa que o diagnóstico e o tratamento deles geralmente é protelado, e as taxas de complicação e mortalidade são, consequentemente, mais altas.[14]Chen EH, Mills AM. Abdominal pain in special populations. Emerg Med Clin North Am. 2011 May;29(2):449-58.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21515187?tool=bestpractice.com
Idosos
Os idosos geralmente apresentam mais comorbidades duradouras que adultos mais jovens, o que pode afetar sua capacidade de desenvolver respostas fisiológicas características (isso pode ocorrer por causa dos efeitos diretos de uma comorbidade clínica ou medicamentos utilizados para tratar as comorbidades clínicas). Os pacientes idosos também correm um maior risco de apresentar doenças mais graves, devido à diminuição da função imunológica.[15]Ragsdale L, Southerland L. Acute abdominal pain in the older adult. Emerg Med Clin North Am. 2011 May;29(2):429-48.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21515186?tool=bestpractice.com
Os sistemas nervosos central e periférico são afetados pelo envelhecimento. Condições como a demência podem restringir a capacidade de uma pessoa mais idosa de comunicar os problemas, e a diminuição da função do sistema nervoso periférico pode alterar a percepção de dor e temperatura, tornando o diagnóstico e o manejo mais difíceis. Um estudo de pacientes com úlceras perfuradas revelou que apenas 21% dos pacientes idosos apresentavam peritonite.[15]Ragsdale L, Southerland L. Acute abdominal pain in the older adult. Emerg Med Clin North Am. 2011 May;29(2):429-48.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21515186?tool=bestpractice.com
Gestantes
As alterações físicas e fisiológicas associadas à gestação podem representar um desafio ao diagnóstico e ao tratamento. Uma avaliação rápida e completa é essencial, uma vez que o atraso no diagnóstico e no tratamento pode levar a desfechos desfavoráveis para a mãe e o feto.[16]Kilpatrick CC, Monga M. Approach to the acute abdomen in pregnancy. Obstet Gynecol Clin North Am. 2007 Sep;34(3):389-402.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17921006?tool=bestpractice.com
O alargamento do útero, que desloca e comprime os órgãos intra-abdominais, e a frouxidão da parede abdominal, torna difícil localizar a dor e pode atenuar os sinais peritoneais.[16]Kilpatrick CC, Monga M. Approach to the acute abdomen in pregnancy. Obstet Gynecol Clin North Am. 2007 Sep;34(3):389-402.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17921006?tool=bestpractice.com
Gestantes podem, por vezes, apresentar uma leve leucocitose fisiológica, de modo que este achado é inespecífico em gestantes com abdome agudo. Caso exista um alto índice de suspeita para a patologia intra-abdominal, mais estudos são necessários e podem incluir testes de laboratório adicionais, exames radiográficos ou, em alguns casos, exames físicos seriais.
Há uma preocupação entre os profissionais da saúde e pacientes quanto à obtenção de radiografias em pacientes grávidas. Embora seja conhecido que a exposição à radiação ionizante possa levar à morte celular, mutação de células germinativas e carcinogênese, não existe nenhum procedimento radiográfico moderno comum que resulte na exposição à radiação em um nível tal que ameace o bem-estar do embrião ou feto.[16]Kilpatrick CC, Monga M. Approach to the acute abdomen in pregnancy. Obstet Gynecol Clin North Am. 2007 Sep;34(3):389-402.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17921006?tool=bestpractice.com
A exposição a radiação de <5 rads (em uma tomografia computadorizada de abdome/pelve há uma exposição de 3.5 rads) não foi associada a defeitos fetais ou perda do feto.[16]Kilpatrick CC, Monga M. Approach to the acute abdomen in pregnancy. Obstet Gynecol Clin North Am. 2007 Sep;34(3):389-402.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17921006?tool=bestpractice.com
Uma proteção cuidadosa do paciente também pode minimizar a exposição. É importante observar que o uso de ultrassonografia para diagnóstico é claramente seguro na gestação, embora deva ser usado para avaliar e responder a um problema clínico definido.[17]American College of Radiology. ACR–ACOG–AIUM–SRU practice parameter for the performance of obstetrical ultrasound. 2018 [internet publication].
http://www.acr.org/~/media/ACR/Documents/PGTS/guidelines/US_Obstetrical.pdf
É importante discutir os riscos e os benefícios com as pacientes antes de obter radiografias. Todo risco deve ser ponderado cuidadosamente em relação ao aumento do risco de óbito fetal e maternal resultante de atraso no diagnóstico e no tratamento. Alternativas para as imagem por radiação ionizante, como a ultrassonografia e a ressonância nuclear magnética, também podem ter funções importantes nestas pacientes.