Avaliação de síndrome nefrótica
Resumo
A síndrome nefrótica é definida pela presença de proteinúria (>3.5 g/24 horas), hipoalbuminemia (<30 g/L) e edema periférico. Hiperlipidemia e doença trombótica também são observadas com frequência. Apesar da proteinúria e lipidúria intensas, a urina contém menos células ou cilindros. Diferente da síndrome nefrítica, a qual geralmente é definida pela presença de lesão renal aguda (disfunção renal), hipertensão e um sedimento urinário ativo (eritrócitos e cilindros eritrocitários).
Os pacientes com proteinúria intensa isolada, sem os outros componentes da síndrome nefrótica, são descritos como tendo proteinúria na faixa nefrótica, o que geralmente é um indicativo de glomerulopatia subjacente. Neste caso, a etiologia subjacente é mais provável por conta da glomeruloesclerose segmentar focal (GESF).
A síndrome nefrótica não é uma única doença; é um conjunto de diversos sintomas que podem ser causados por várias doenças renais. O desafio é determinar a etiologia subjacente que cause a síndrome nefrótica em qualquer paciente. Geralmente, os pacientes com qualquer tipo de síndrome nefrótica necessitam de tratamento subespecializado e aconselha-se uma consulta imediata com um nefrologista.
Esta monografia fornece uma visão geral da avaliação da síndrome nefrótica e das doenças individuais que causam proteinúria intensa.
Etiologia
A síndrome nefrótica pode ocorrer em conexão com uma grande variedade de doenças primárias e secundárias. A provável etiologia difere, dependendo da idade do paciente e da presença de comorbidades específicas (por exemplo, diabetes, amiloidose ou lúpus eritematoso sistêmico). A causa mais comum em crianças é a doença de lesão mínima.[1]Malafronte P, Mastroianni-Kirsztajn G, Betônico GN, et al. Paulista Registry of glomerulonephritis: 5-year data report. Nephrol Dial Transplant. 2006;21:3098-3105. http://ndt.oxfordjournals.org/content/21/11/3098.long http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16968733?tool=bestpractice.com Em adultos, as doenças glomerulares primárias são mais frequentes em homens (55%), enquanto a doença glomerular secundária é mais frequente em mulheres (72%).
A causa mais comum em adultos jovens é a GESF, seguida de nefropatia de lesão mínima. A nefropatia membranosa é a causa mais comum em idosos[2]Kitiyakara C, Kopp JB, Eggers P. Trends in the epidemiology of focal segmental glomerulosclerosis. Semin Nephrol. 2003;23:172-182. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12704577?tool=bestpractice.com [3]Deegens JK, Wetzels JF. Membranous nephropathy in the older adult: epidemiology, diagnosis and management. Drugs Aging. 2007;24:717-732. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17727303?tool=bestpractice.com e, a nefropatia diabética, em adultos com história de diabetes de longa duração.
A síndrome nefrótica também pode se desenvolver em pacientes com nefropatia por imunoglobulina A (IgA), glomerulonefrite membranoproliferativa e glomerulonefrite pós-infecciosa. No entanto, esses pacientes geralmente apresentam um padrão nefrítico com hematúria e cilindros eritrocitários como característica predominante.
Doença de lesão mínima
A doença de lesão mínima é responsável por 90% dos casos de síndrome nefrótica em crianças com <10 anos de idade.[4]Scottish Paediatric Renal and Urology Network. Idiopathic nephrotic syndrome in children, management. March 2017. http://www.sprun.scot.nhs.uk/professionals/guidelines/ (last accessed 1 March 2018). http://www.sprun.scot.nhs.uk/professionals/guidelines Em adultos, pode ocorrer sem uma causa identificada (idiopática), estar relacionada a anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs) ou decorrer do linfoma de Hodgkin. "Lesão mínima" refere-se a achados microscópicos ópticos que frequentemente revelam glomérulos normais ou proliferação mesangial leve. A imunofluorescência geralmente não mostra qualquer deposição de imunocomplexo. No entanto, a microscopia eletrônica classicamente demonstra obliteração difusa dos processos podais das células epiteliais. Geralmente, a doença de lesão mínima responde bem aos corticosteroides; no entanto, se houver resistência, etiologias alternativas devem ser consideradas.
Glomeruloesclerose segmentar focal (GESF)
A GESF é responsável por 35% a 50% dos casos de síndrome nefrótica idiopática em adultos.[5]D'Agati V. The many masks of focal segmental glomerulosclerosis. Kidney Int. 1994;46:1223-1241. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/7861720?tool=bestpractice.com A microscopia óptica mostra as áreas segmentares de colapso mesangial e esclerose que afetam alguns, mas não todos os glomérulos (doença focal). A GESF pode ser primária (idiopática) ou secundária ao vírus da imunodeficiência humana (HIV), obesidade e nefropatia de refluxo.[6]National Institute for Health and Care Excellence. Minimal change disease and focal segmental glomerulosclerosis in adults: rituximab. Evidence summary (ES1), November 2016. http://www.nice.org/uk (accessed 1 March 2018). https://www.nice.org.uk/advice/es1/chapter/full-evidence-summary
A diferenciação entre GESF primária e secundária é importante para determinar o tratamento, pois a primária responde à imunossupressão, enquanto as causas secundárias são tratadas com redução da pressão intraglomerular (bloqueio do sistema de renina-angiotensina). O HIV está associado com GESF colapsante, no qual a histologia demonstrou colapso e esclerose do tufo glomerular total (não segmentar).
A GESF geralmente apresenta-se com hematúria, hipertensão e função renal reduzida. Geralmente, os pacientes são resistentes a corticosteroides e a biópsia renal é necessária para confirmar o diagnóstico.
Nefropatia membranosa
A nefropatia membranosa é a causa mais comum de síndrome nefrótica em adultos. A microscopia demonstra o espessamento da membrana basal sem proliferação ou infiltração celular associada. A imunofluorescência revela depósito granular e difuso de imunoglobulina G (IgG) ao longo das paredes capilares, e a microscopia mostra depósitos elétron-densos no espaço subepitelial. O crescimento de uma nova membrana basal entre os depósitos imunes subepiteliais causa a clássica aparência de "espícula e domo".
Embora a nefropatia membranosa geralmente seja idiopática (e associada a autoanticorpos, especialmente ao receptor de fosfolipase A2 presente nos podócitos), muitos casos são secundários a hepatite B, doença autoimune, neoplasia maligna e reações adversas ao medicamento (incluindo ouro, penicilamina e AINEs).[7]Debiec H, Ronco P. PLA2R autoantibodies and PLA2R glomerular deposits in membranous nephropathy. N Engl J Med. 2011;364:689-690. http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMc1011678 http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21323563?tool=bestpractice.com
Nefropatia diabética
Diabetes mellitus dos tipos 1 e 2 podem causar nefropatia diabética em cerca de um terço das pessoas com diabetes. Geralmente, isso é caracterizado por microalbuminúria e, depois, uma queda progressiva na taxa de filtração glomerular (TFG). Ocorre uma combinação de processos patogênicos, incluindo hiperfiltração glomerular, hiperglicemia e glicação de proteínas da matriz. Raramente, o peso da proteinúria causada por nefropatia diabética pode causar a síndrome nefrótica. A nefropatia diabética é definida por uma expansão mesangial característica, espessamento da membrana basal glomerular e esclerose glomerular, levando ao desenvolvimento de nódulos de Kimmelstiel-Wilson.
Amiloidose
A amiloidose é responsável por cerca de 10% dos casos de síndrome nefrótica. Há dois subtipos principais:
Amiloidose primária (AL), que é uma discrasia de cadeias leves na qual as cadeias leves monoclonais formam fibras amiloides;
Amiloide A (AA), que está associado com doença inflamatória crônica.
As investigações devem revelar a presença de paraproteína monoclonal na urina ou no plasma.
Fisiopatologia
Cada rim tem cerca de 1 milhão de glomérulos, que são os locais de filtração do sangue. As camadas de glomérulos incluem o endotélio fenestrado do capilar, a membrana basal glomerular e os processos de base dos podócitos. A principal barreira para a filtração é a conexão entre os processos pedicelares dos podócitos adjacentes chamados diafragmas de fenda.
Existem 3 categorias de proteinúria: glomerular, tubular e de excesso (overflow).
A proteinúria glomerular desenvolve-se quando os componentes da barreira de filtração são rompidos pela doença. O irritante primário que leva ao desenvolvimento da síndrome nefrótica é o desenvolvimento de proteinúria glomerular de alto grau, e quanto maior a perda de proteínas mais provável será o desenvolvimento da síndrome completa e o agravamento da função renal.
Os pacientes tornam-se hipoalbuminêmicos em decorrência da perda urinária de albumina. O fígado tenta compensar essa perda de proteínas aumentando a síntese da albumina, bem como de outras moléculas, incluindo lipoproteína de baixa densidade (LDL), lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL) e lipoproteína(a), que contribuem para o desenvolvimento de anormalidades lipídicas, incluindo hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia.[8]Wheeler DC. Lipid abnormalities in the nephrotic syndrome: the therapeutic role of statins. J Nephrol. 2001;14(suppl 4):S70-S75. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11798150?tool=bestpractice.com A lipidúria ocorre na forma de: sedimento lipídico, cilindros gordurosos, corpos de gordura ovais ou gotículas livres de gordura na urina (que aparecem como cruzes de Malta sob luz polarizada).
A hipercoagulabilidade é resultante da perda de inibidores de coagulação na urina e da síntese elevada de fatores pró-coagulantes pelo fígado.[8]Wheeler DC. Lipid abnormalities in the nephrotic syndrome: the therapeutic role of statins. J Nephrol. 2001;14(suppl 4):S70-S75. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11798150?tool=bestpractice.com O edema se deve à combinação da diminuição da pressão oncótica devido à hipoalbuminemia e da retenção renal primária de sódio nos túbulos coletores.[9]Rodriguez-Iturbe B, Herrera-Acosta J, Johnson RJ. Interstitial inflammation, sodium retention, and the pathogenesis of nephrotic edema: a unifying hypothesis. Kidney Int. 2002;62:1379-1384. http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0085253815486818 http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/12234309?tool=bestpractice.com [10]Kim SW, Frokiaer J, Nielsen S. Pathogenesis of oedema in nephrotic syndrome: role of epithelial sodium channel. Nephrology (Carlton). 2007;12(suppl 3):S8-S10. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/17995529?tool=bestpractice.com Pacientes com síndrome nefrótica também apresentam aumento do risco de infecção decorrente da perda de imunoglobulinas e de complemento, bem como de outros compostos que vão sendo perdidos na urina.
Diagnóstico diferencial
A síndrome nefrótica é uma manifestação relativamente rara, mas importante da doença renal. Nos EUA, é relatada uma incidência anual entre as crianças de 2 a 7 casos por 100,000.[11]van Husen M, Kemper MJ. New therapies in steroid-sensitive and steroid-resistant idiopathic nephrotic syndrome. Pediatr Nephrol. 2011;26:881-892. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21229269?tool=bestpractice.com [12]Zhang S, Audard V, Fan Q, et al. Immunopathogenesis of idiopathic nephrotic syndrome. Contrib Nephrol. 2011;169:94-106. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21252513?tool=bestpractice.com [13]Gbadegesin R, Lavin P, Foreman J, et al. Pathogenesis and therapy of focal segmental glomerulosclerosis: an update. Pediatr Nephrol. 2011;26:1001-1015. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21110043?tool=bestpractice.com [14]Elie V, Fakhoury M, Deschênes G, et al. Physiopathology of idiopathic nephrotic syndrome: lessons from glucocorticoids and epigenetic perspectives. Pediatr Nephrol. 2012;27:1249-1256. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21710250?tool=bestpractice.com [15]El Bakkali L, Rodrigues Pereira R, Kuik DJ, et al. Nephrotic syndrome in the Netherlands: a population-based cohort study and a review of the literature. Pediatr Nephrol. 2011;26:1241-1246. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3119807/ http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21533870?tool=bestpractice.com A incidência varia entre adultos dependendo da incidência das causas subjacentes da afecção, especialmente o diabetes mellitus. A cada ano a síndrome nefrótica tem uma incidência de aproximadamente 3 novos casos por 100,000 em adultos.[16]Hull RP, Goldsmith DJ. Nephrotic syndrome in adults. BMJ. 2008;336:1185-1189. http://www.bmj.com/content/336/7654/1185.long http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18497417?tool=bestpractice.com
Clinicamente, a classificação da doença renal glomerular em síndromes, como a síndrome nefrótica e a síndrome nefrítica, ajuda a estreitar o diagnóstico diferencial. O diagnóstico diferencial é geralmente o mesmo para os pacientes com a síndrome nefrótica e para a proteinúria nefrótica.
Os diagnósticos diferenciais mais comuns da síndrome nefrótica incluem nefropatia de lesão mínima, GESF, nefropatia membranosa, nefropatia diabética, doenças glomerulares primárias (por exemplo, nefropatia por IgA), glomerulopatias fibrilares (sendo a mais comum a amiloidose), nefrite lúpica e mieloma múltiplo (por exemplo, doenças de depósito de cadeia leve).[16]Hull RP, Goldsmith DJ. Nephrotic syndrome in adults. BMJ. 2008;336:1185-1189. http://www.bmj.com/content/336/7654/1185.long http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18497417?tool=bestpractice.com A glomerulonefrite membranoproliferativa é uma causa relativamente rara da síndrome nefrótica, embora mais comum como uma causa de hematúria não visível e proteinúria isoladamente.
Uma apresentação incomum de doenças renais raras, como a doença de Fabry, a nefrite hereditária e a síndrome de unha-patela, seria a síndrome nefrótica. Raramente a hipertensão na fase grave também pode se apresentar dessa forma. Na maioria dos casos, a história familiar, história de uso de drogas, história de sintomas, exames e investigações levam ao diagnóstico de uma causa subjacente da síndrome nefrótica.
A síndrome nefrótica é uma causa do edema grave (ou anasarca). As outras 2 causas mais comuns de edema grave são a doença hepática grave e a insuficiência cardíaca congestiva (ICC). Ao contrário dessas outras 2 doenças, os pacientes com o edema da síndrome nefrótica, muitas vezes podem se deitar confortavelmente, permitindo-lhes desenvolver um edema facial. Geralmente, os pacientes com ICC ou doença hepática grave não podem se deitar confortavelmente e tendem a não desenvolver o edema facial. A característica fundamental que diferencia a doença renal de outras 2 doenças é a presença da proteinúria grave, o que torna o exame de urina obrigatório.
Diagnósticos diferenciais
comuns
- Doença de lesão mínima
- Glomeruloesclerose segmentar focal (GESF)
- Nefropatia membranosa
- Nefropatia diabética
- Amiloidose de cadeia leve (amiloidose do tipo AL) associada a mieloma múltiplo
- Nefropatia por imunoglobulina A (IgA)
Incomuns
- Glomerulonefrite membranoproliferativa (mesangiocapilar)
- Amiloidose
- Nefrite lúpica
- Doença de Fabry
- Síndrome de Alport
- Síndrome de unha-patela
- Nefropatia mercurial
- Hipertensão maligna
Colaboradores
AutoresVER TUDO
Professor of Cardio-Renal Medicine
Member of the Faculty of Translational Medicine
King's Health Partners AHSC
London
UK
Declarações
DJAG declares that he has no competing interests.
NIHR Academic Clinical Fellow in Neurology
University College London
London
UK
Declarações
OJZ declares that he has no competing interests.
Dr David J.A. Goldsmith and Dr Oliver J. Ziff would like to gratefully acknowledge Dr Michael S. Gersch, a previous contributor to this monograph. MSG declares that he has no competing interests.
RevisoresVER TUDO
Professor of Renal Medicine
The John Walls Renal Unit
Leicester General Hospital
Leicester
UK
Declarações
JF declares that he has no competing interests.
Associate Director
Nephrology
Washington Hospital Center
Washington
DC
Declarações
JHV declares that she has no competing interests.
Associate Professor
Department of Medicine
McMaster University
Ontario
Canada
Declarações
CC declares that she has no competing interests.
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