O cálcio é um cátion fundamental envolvido no transporte celular, na função da membrana e no metabolismo ósseo. A hipercalcemia, ou excesso sistêmico de cálcio, é prejudicial à função das membranas excitáveis, acarretando fadiga músculo esquelética e da musculatura lisa do trato gastrointestinal. Os efeitos sobre o músculo cardíaco incluem o encurtamento do intervalo QT e o aumento do risco de parada cardíaca a níveis muito elevados de cálcio. As sequelas neurológicas incluem depressão, irritabilidade e, com níveis suficientemente elevados, coma. A hipercalcemia rapidamente ultrapassa a capacidade renal de reabsorção de cálcio, e este se extravasa para a urina, unindo-se ao fosfato, causando nefrolitíase. A precipitação de sais de cálcio no rim pode causar dano renal grave.[1]Sayer JA, Carr G, Simmons NL. Nephrocalcinosis: molecular insights into calcium precipitation within the kidney. Clin Sci (Lond). 2004 Jun;106(6):549-61.
https://www.doi.org/10.1042/CS20040048
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15027893?tool=bestpractice.com
A hipercalcemia também causa desidratação pela indução da resistência renal à vasopressina, acarretando diabetes insípido nefrogênico. A desidratação, por sua vez, acarreta um aumento ainda maior na concentração sérica de cálcio.
A hipercalcemia é diagnosticada quando a concentração de cálcio sérico é de dois desvios padrão acima do valor médio encontrado em pessoas com níveis normais de cálcio em, pelo menos, duas amostras tiradas com no mínimo 1 semana de intervalo entre elas.[2]Minisola S, Pepe J, Piemonte S, et al. The diagnosis and management of hypercalcaemia. BMJ. 2015 Jun 2;350:h2723.
https://www.doi.org/10.1136/bmj.h2723
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26037642?tool=bestpractice.com
O cálcio sérico normal ou o cálcio plasmático total deve ser de 2.13 a 2.63 mmol/L (8.5 a 10.5 mg/dL) e o cálcio ionizado deve ser de 1.15 a 1.27 mmol/L (4.6 a 5.1 mg/dL).[3]Sinton TJ, Cowley DM, Bryant SJ. Reference intervals for calcium, phosphate, and alkaline phosphatase as derived on the basis of multichannel-analyzer profiles. Clin Chem. 1986 Jan;32(1 pt 1):76-9.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/3940739?tool=bestpractice.com
Fisiopatologia
Somente cerca de 1% do cálcio corporal se localiza no líquido extracelular; o restante está nos ossos e nos compartimentos intracelulares.[4]Vieth R. Vitamin D supplementation, 25-hydroxyvitamin D concentrations, and safety. Am J Clin Nutr. 1999;69:842-56.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10232622?tool=bestpractice.com
Aproximadamente metade do cálcio circulante está ligada a proteínas, principalmente à albumina, enquanto o restante é ionizado e constitui a fração fisiologicamente pertinente.
Os níveis de cálcio são controlados de maneira estrita pelo paratormônio (PTH), liberado pelas glândulas paratireoides quando o cálcio ionizado é percebido como baixo. O PTH eleva o cálcio por meio do aumento do metabolismo vitamina D no rim, estimulando a reabsorção óssea e aumentando a excreção renal de fosfato.[5]Moe SM. Calcium homeostasis in health and in kidney disease. Compr Physiol. 2016 Sep 15;6(4):1781-800.
https://www.doi.org/10.1002/cphy.c150052
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27783859?tool=bestpractice.com
Quando o nível de cálcio está elevado, as glândulas paratireoides param de liberar o PTH. A tireocalcitonina das células 'c' da tireoide pode diminuir os níveis de cálcio, mas seu papel no equilíbrio de cálcio é menor.
O cálcio é absorvido com eficiência de, aproximadamente, 25% a 35% em adultos, mas é maior na infância e diminui com a idade.[6]Ross AC, Taylor CL, Yaktine AL, et al, eds. Institute of Medicine (US) Committee to Review Dietary Reference Intakes for Vitamin D and Calcium: Dietary reference intakes for calcium and vitamin D. Washington (DC): National Academies Press (US); 2011.
https://nap.nationalacademies.org/catalog/13050/dietary-reference-intakes-for-calcium-and-vitamin-d
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21796828?tool=bestpractice.com
[7]Wolf RL, Cauley JA, Baker CE, et al. Factors associated with calcium absorption efficiency in pre- and perimenopausal women. Am J Clin Nutr. 2000 Aug;72(2):466-71.
https://www.doi.org/10.1093/ajcn/72.2.466
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10919942?tool=bestpractice.com
A absorção de cálcio depende da vitamina D. A vitamina D₃ é sintetizada na pele pela reação de seus antecedentes de colesterol com a luz ultravioleta B (290-320 nm); a reação é desencadeada quando o sol atinge a pele exposta. As fontes alimentares geralmente são desprezíveis, exceto entre habitantes das regiões árticas, que consomem grande quantidade de vitamina D₃ proveniente de peixes e mamíferos ricos em gordura. A vitamina D₃ é convertida no metabólito 25-hidroxivitamina D por vias hepáticas e numa segunda hidroxilação em calcitriol ou 1,25-di-hidroxivitamina D₃ que ocorre no parênquima renal. A 1,25-di-hidroxivitamina D₃ aumenta a absorção intestinal do cálcio.[5]Moe SM. Calcium homeostasis in health and in kidney disease. Compr Physiol. 2016 Sep 15;6(4):1781-800.
https://www.doi.org/10.1002/cphy.c150052
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27783859?tool=bestpractice.com
A solubilidade do fosfato está intimamente relacionada ao equilíbrio do cálcio. Qualquer fator causador de um aumento do nível de fosfato, como a insuficiência renal, ocasionará uma queda no cálcio ionizado.
Sintomas e sinais
A hipercalcemia pode ser leve e ocorrer sem sintomas. A anamnese também pode identificar sintomas de cálcio elevado, como nefrolitíase (típica de hiperparatireoidismo), letargia, fadiga, confusão, depressão, irritabilidade, constipação e poliúria e polidipsia.[2]Minisola S, Pepe J, Piemonte S, et al. The diagnosis and management of hypercalcaemia. BMJ. 2015 Jun 2;350:h2723.
https://www.doi.org/10.1136/bmj.h2723
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26037642?tool=bestpractice.com
Sintomas crônicos são mais consistentes com hiperparatireoidismo, enquanto o início mais recente de sintomas sugere malignidade.
O cálcio elevado pode exigir uma intervenção para evitar complicações, como a osteoporose. A hipercalcemia grave é uma emergência eletrolítica com risco de vida que requer reconhecimento imediato e tratamento urgente.
Os pacientes com hiperparatireoidismo primário assintomático (hipercalcemia leve, geralmente dentro de 1 mg/dL do limite superior da faixa normal) podem ser submetidos a cirurgia da paratireoide, na ausência de contraindicações clínicas.[8]Bilezikian JP, Brandi ML, Eastell R, et al. Guidelines for the management of asymptomatic primary hyperparathyroidism: summary statement from the Fourth International Workshop. J Clin Endocrinol Metab. 2014 Oct;99(10):3561-9.
https://www.doi.org/10.1210/jc.2014-1413
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25162665?tool=bestpractice.com
No entanto, a cirurgia não é obrigatória para todos os pacientes com doença assintomática; as recomendações de monitoramento dos pacientes não submetidos à cirurgia de paratireoide devem ser seguidas.[8]Bilezikian JP, Brandi ML, Eastell R, et al. Guidelines for the management of asymptomatic primary hyperparathyroidism: summary statement from the Fourth International Workshop. J Clin Endocrinol Metab. 2014 Oct;99(10):3561-9.
https://www.doi.org/10.1210/jc.2014-1413
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25162665?tool=bestpractice.com
[9]National Institute for Health and Care Excellence. Hyperparathyroidism (primary): diagnosis, assessment and initial management. May 2019 [internet publication].
https://www.nice.org.uk/guidance/ng132