O trauma abdominal é mais bem categorizado pelo mecanismo como lesões abdominais contusas e penetrantes. O mecanismo da lesão determina o processo de investigação diagnóstica. Uma vez que há um amplo espectro de lesões abdominais, pacientes com trauma abdominal são, geralmente, de difícil avaliação. Fatores de confundimento, como lesões extra-abdominais associadas ou estado mental alterado (decorrente de traumatismo cranioencefálico ou intoxicação) complicam ainda mais a avaliação.[1]Enderson BL, Reath DB, Meadors J, et al. The tertiary trauma survey: a prospective study of missed injury. J Trauma. 1990 Jun;30(6):666-9.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2352294?tool=bestpractice.com
Este tópico inclui a avaliação do trauma abdominal apenas em adultos. Para obter informações sobre o trauma abdominal em crianças, consulte o tópico "Avaliação de dor abdominal em crianças".
Anatomia
A anatomia da superfície do abdome se estende desde a linha mamilar até a prega da virilha anteriormente e das extremidades das escápulas até a prega glútea posteriormente. Os limites anatômicos específicos do abdome são o diafragma, a musculatura da parede abdominal, as estruturas esqueléticas pélvicas e a coluna vertebral. Existem três regiões básicas do abdome: a cavidade peritoneal com seu componente intratorácico, o retroperitônio e a porção pélvica. Uma vez que o diafragma pode se elevar até a altura do quarto espaço intercostal, o trauma na região torácica inferior pode envolver órgãos abdominais.
Trauma abdominal contuso
As causas de trauma abdominal contuso incluem colisões com veículo automotor (CVAs), acidentes com motocicletas, atropelamentos de pedestres por automóveis, quedas e agressões. As CVAs são a causa mais comum de trauma abdominal contuso. Nos EUA, em 2022, houve 42,514 mortes no trânsito por acidente com veículo automotor.[2]National Highway Traffic Safety Administration. Traffic safety facts: overview of motor vehicle traffic crashes in 2022. Jun 2024 [internet publication].
https://crashstats.nhtsa.dot.gov/Api/Public/ViewPublication/813560
A direção sob efeito de álcool foi responsável por 32% do total de mortes no trânsito.[2]National Highway Traffic Safety Administration. Traffic safety facts: overview of motor vehicle traffic crashes in 2022. Jun 2024 [internet publication].
https://crashstats.nhtsa.dot.gov/Api/Public/ViewPublication/813560
Estratégias de prevenção, como as campanhas contra dirigir sob o efeito de substâncias tóxicas e o incentivo ao uso do cinto de segurança, têm se demonstrado efetivas na diminuição da morbidade e mortalidade relacionadas aos traumas abdominais contusos.[3]American College of Emergency Physicians. Motor vehicle safety. Ann Emerg Med. 2009 May;53(5):698.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19380055?tool=bestpractice.com
[4]Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Impact of primary laws on adult use of safety belts - United States, 2002. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2004 Apr 2;53(12):257-60.
http://www.cdc.gov/mmwr/preview/mmwrhtml/mm5312a2.htm
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15057190?tool=bestpractice.com
[5]Allen S, Zhu S, Sauter C, et al. A comprehensive statewide analysis of seatbelt non-use with injury and hospital admissions: new data, old problem. Acad Emerg Med. 2006 Apr;13(4):427-34.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1197/j.aem.2005.11.003
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16531597?tool=bestpractice.com
[6]Goss CW, Van Bramer LD, Gliner JA, et al. Increased police patrols for preventing alcohol-impaired driving. Cochrane Database Syst Rev. 2008 Oct 8;(4):CD005242.
http://cochranelibrary-wiley.com/doi/10.1002/14651858.CD005242.pub2/full
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18843684?tool=bestpractice.com
O trauma abdominal contuso pode ocasionar múltiplas lesões em diferentes órgãos. As complicações do trauma abdominal contuso incluem a peritonite, o choque hemorrágico e a morte. As lesões comuns são divididas em duas categorias: lesões em órgãos sólidos (por exemplo, fígado, baço, pâncreas, rins) e em órgãos ocos (por exemplo, estômago, intestinos grosso e delgado, vesícula biliar, bexiga). As lesões em órgãos sólidos variam de lacerações de pequeno porte hemodinamicamente insignificantes no fígado, baço ou rins até lesões devastadoras que exigem intervenção imediata. Geralmente, as lesões intestinais exigem intervenção cirúrgica para evitar a peritonite e o choque séptico.[7]Smyth L, Bendinelli C, Lee N, et al. WSES guidelines on blunt and penetrating bowel injury: diagnosis, investigations, and treatment. World J Emerg Surg. 2022 Mar 4;17(1):13.
https://wjes.biomedcentral.com/articles/10.1186/s13017-022-00418-y
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/35246190?tool=bestpractice.com
Lesões diafragmáticas são incomuns em pacientes com trauma, representando 0.46% (3873) de todas as lesões encontradas no National Trauma Data Bank em 2012 (833,309).[8]Fair KA, Gordon NT, Barbosa RR, et al. Traumatic diaphragmatic injury in the American College of Surgeons National Trauma Data Bank: a new examination of a rare diagnosis. Am J Surg. 2015 May;209(5):864-8.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25952278?tool=bestpractice.com
As lesões no baço foram mais comumente relatadas entre pacientes com lesão diafragmática traumática contusa do que entre aqueles com lesão penetrante (44.8% vs. 29.1%).[8]Fair KA, Gordon NT, Barbosa RR, et al. Traumatic diaphragmatic injury in the American College of Surgeons National Trauma Data Bank: a new examination of a rare diagnosis. Am J Surg. 2015 May;209(5):864-8.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25952278?tool=bestpractice.com
Lesões pancreáticas são raras. Em geral, há maior probabilidade de serem causadas por trauma abdominal contuso. No entanto, as lesões penetrantes podem ser mais comuns em alguns países e nas forças armadas.[9]Coccolini F, Kobayashi L, Kluger Y, et al. Duodeno-pancreatic and extrahepatic biliary tree trauma: WSES-AAST guidelines. World J Emerg Surg. 2019;14:56.
https://www.doi.org/10.1186/s13017-019-0278-6
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/31867050?tool=bestpractice.com
Trauma abdominal penetrante
As lesões abdominais penetrantes ocorrem quando um objeto estranho perfura a pele. As lesões penetrantes mais comuns são os ferimentos por arma de fogo e por facadas. Nos EUA, os traumatismos penetrantes continuam a ser uma das principais causas de morbidade e mortalidade, com mais de 40,000 mortes relacionadas a armas de fogo ocorridas em 2022.[10]Centers for Disease Control and Prevention. CDC WISQARS national violent death reporting system. 2021 [internet publication].
https://wisqars.cdc.gov/fatal-reports
Nos países europeus, as lesões relacionadas a armas de fogo são muito menos comuns.[11]Krüsselmann K, Aarten P, Liem M. Firearms and violence in Europe-a systematic review. PLoS One. 2021;16(4):e0248955.
https://www.doi.org/10.1371/journal.pone.0248955
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/33852590?tool=bestpractice.com
A aparência externa da ferida penetrante não determina a extensão das lesões internas. É importante definir a trajetória de uma ferida penetrante e considerar todas as lesões internas possíveis. A mortalidade associada ao trauma abdominal penetrante está relacionada aos órgãos intra-abdominais lesionados, sendo o choque hemorrágico refratário a principal causa da morte.[12]Nicholas JM, Rix EP, Easley KA, et al. Changing patterns in the management of penetrating abdominal trauma: the more things change, the more they stay the same. J Trauma. 2003 Dec;55(6):1095-108.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/14676657?tool=bestpractice.com
Lesões no estômago, intestino delgado e colorretais ocorrem com mais frequência após um trauma abdominal penetrante do que após um traumatismo contuso. O intestino delgado é o órgão mais comumente lesionado por trauma abdominal penetrante.
Existe uma alta incidência de lesão diafragmática no traumatismo toracoabdominal penetrante.[13]Powell BS, Magnotti LJ, Schroeppel TJ, et al. Diagnostic laparoscopy for the evaluation of occult diaphragmatic injury following penetrating thoracoabdominal trauma. Injury. 2008 May;39(5):530-4.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18336818?tool=bestpractice.com
Uma análise do National Trauma Data Bank descobriu que, de 3873 casos de lesões diafragmáticas traumáticas em 2012, as lesões penetrantes foram mais comuns do que aquelas atribuíveis a um mecanismo contundente (67% [2543] vs. 33% [1240], respectivamente).[8]Fair KA, Gordon NT, Barbosa RR, et al. Traumatic diaphragmatic injury in the American College of Surgeons National Trauma Data Bank: a new examination of a rare diagnosis. Am J Surg. 2015 May;209(5):864-8.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25952278?tool=bestpractice.com