Trauma é uma lesão física causada pela transferência de energia para a pessoa envolvida e para seu interior. O trauma abdominal é mais bem categorizado pelo mecanismo como lesões abdominais contusas e penetrantes. O mecanismo da lesão determina o processo de investigação diagnóstica. Uma vez que há um amplo espectro de lesões abdominais, pacientes com trauma abdominal são, geralmente, de difícil avaliação. Fatores de confundimento, como lesões extra-abdominais associadas ou estado mental alterado (decorrente de traumatismo cranioencefálico ou intoxicação) complicam ainda mais a avaliação.[1]Enderson BL, Reath DB, Meadors J, et al. The tertiary trauma survey: a prospective study of missed injury. J Trauma. 1990 Jun;30(6):666-9.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2352294?tool=bestpractice.com
A lesão hepática é a lesão de órgão intra-abdominal mais comum.
Este tópico inclui a avaliação de trauma abdominal apenas em adultos. Para obter informações sobre trauma abdominal em crianças, consulte a Avaliação de dor abdominal em crianças neste tópico.
Anatomia
A anatomia da superfície do abdome se estende desde a linha mamilar até a prega da virilha anteriormente e das extremidades das escápulas até a prega glútea posteriormente. Os limites anatômicos específicos do abdome são o diafragma, a musculatura da parede abdominal, as estruturas esqueléticas pélvicas e a coluna vertebral. Existem 3 regiões básicas do abdome: a cavidade peritoneal com seu componente intratorácico, o retroperitônio e a porção pélvica. Uma vez que o diafragma pode se elevar até a altura do quarto espaço intercostal, o trauma na região torácica inferior pode envolver os órgãos abdominais.
Trauma abdominal contuso
As causas de trauma abdominal contuso englobam acidentes com veículo automotor (AVAs), acidentes com motocicletas (AMs), atropelamentos de pedestres por automóveis, quedas e agressões. Os AVAs são a causa mais comum de trauma abdominal contuso, sendo responsáveis por aproximadamente 75% dessas lesões. Em 2016, nos EUA, houve 37,461 mortes decorrentes de 34,439 AVAs fatais, 5286 mortes relacionadas a AMs e 5987 atropelamentos de pedestres.[2]National Highway Traffic Safety Administration. Fatality analysis reporting system (FARS): 2016. September 2017 [internet publication].
http://www-fars.nhtsa.dot.gov/Main/index.aspx
Em cerca de um terço desses acidentes, o uso de álcool estava envolvido.[3]National Highway Traffic Safety Administration. Traffic safety facts: 2016 data. October 2017 [internet publication].
https://crashstats.nhtsa.dot.gov/Api/Public/ViewPublication/812450
Estratégias de prevenção, como as campanhas contra dirigir sob o efeito de substâncias tóxicas e o incentivo ao uso do cinto de segurança, têm se demonstrado efetivas na diminuição da morbidade e mortalidade relacionadas aos traumas abdominais contusos.[4]American College of Emergency Physicians. Motor vehicle safety. Ann Emerg Med. 2009 May;53(5):698.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19380055?tool=bestpractice.com
[5]Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Impact of primary laws on adult use of safety belts - United States, 2002. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2004 Apr 2;53(12):257-60.
http://www.cdc.gov/mmwr/preview/mmwrhtml/mm5312a2.htm
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15057190?tool=bestpractice.com
[6]Allen S, Zhu S, Sauter C, et al. A comprehensive statewide analysis of seatbelt non-use with injury and hospital admissions: new data, old problem. Acad Emerg Med. 2006 Apr;13(4):427-34.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1197/j.aem.2005.11.003
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/16531597?tool=bestpractice.com
[7]Goss CW, Van Bramer LD, Gliner JA, et al. Increased police patrols for preventing alcohol-impaired driving. Cochrane Database Syst Rev. 2008 Oct 8;(4):CD005242.
http://cochranelibrary-wiley.com/doi/10.1002/14651858.CD005242.pub2/full
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18843684?tool=bestpractice.com
O trauma abdominal contuso pode ocasionar múltiplas lesões em diferentes órgãos. As complicações do trauma abdominal contuso incluem peritonite, choque hemorrágico e morte. As lesões comuns são divididas em 2 categorias: lesões em órgãos sólidos (por exemplo, fígado, baço, pâncreas, rins) e em órgãos ocos (por exemplo, estômago, intestino grosso e delgado, vesícula biliar, bexiga). As lesões de órgãos sólidos variam desde lesões de pequeno porte, como lacerações hemodinamicamente insignificantes no fígado, baço ou rins até lesões devastadoras que exigem intervenção imediata. As lesões intestinais exigem intervenção cirúrgica para evitar peritonite e choque séptico.
A lesão diafragmática representa <10% dos traumas abdominais contusos e a lesão esplênica é mais comum em traumas contusos que em traumas abdominais penetrantes.
Trauma abdominal penetrante
Lesões abdominais penetrantes ocorrem quando um objeto estranho perfura a pele. As lesões penetrantes mais comuns são ferimentos por arma de fogo e por facada. Nos EUA, os traumatismos penetrantes continuam a ser uma das principais causas de morbidade e mortalidade, com 30,143 mortes relacionadas a armas de fogo ocorridas em 2005. Dentre essas mortes, 29,354 foram intencionais (ou seja, suicídio ou homicídio) e 789 foram acidentais. Nos países europeus, as lesões relacionadas a armas de fogo são muito menos comuns.
A aparência externa da ferida penetrante não determina a extensão das lesões internas. É importante definir a trajetória de uma ferida penetrante e considerar todas as lesões internas possíveis. A mortalidade associada ao trauma abdominal penetrante está relacionada aos órgãos intra-abdominais lesionados, sendo o choque hemorrágico refratário a principal causa da morte.[8]Nicholas JM, Rix EP, Easley KA, et al. Changing patterns in the management of penetrating abdominal trauma: the more things change, the more they stay the same. J Trauma. 2003 Dec;55(6):1095-108.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/14676657?tool=bestpractice.com
Lesões no estômago, intestino delgado e colorretais ocorrem com mais frequência após um trauma abdominal penetrante do que após um traumatismo contuso. O intestino delgado é o órgão mais comumente lesionado por trauma abdominal penetrante.
A lesão pancreática é mais comum no trauma abdominal penetrante que no contuso e existe uma alta incidência de lesão diafragmática no traumatismo toracoabdominal penetrante.