Abordagem

Uma definição universal de insuficiência cardíaca (IC), proposta em 2021 pela Heart Failure Society of America, pela Heart Failure Association da European Society of Cardiology e pela Sociedade Japonesa de Insuficiência Cardíaca, descreve a IC como "uma síndrome clínica com sintomas e/ou sinais causados por uma anormalidade cardíaca estrutural e/ou funcional e corroborada por níveis elevados de peptídeos natriuréticos e/ou evidências objetivas de congestão pulmonar ou sistêmica".[1] A identificação da condição responsável pelas anormalidades cardíacas estruturais e/ou funcionais pode ser importante, pois algumas condições que causam a disfunção ventricular esquerda são potencialmente tratáveis e/ou reversíveis.[7]

Fatores precipitantes e comorbidade

Os esforços para identificar a causa frequentemente permitem a detecção de doenças coexistentes que possam ser coadjuvantes ou intensificadores da gravidade dos sintomas. No entanto, pode não ser possível discernir a causa da IC em muitos pacientes que apresentam essa síndrome e, em outros, a doença subjacente pode não ser responsiva ao tratamento.

Uma série de fatores desencadeantes pode causar comprometimento da função cardíaca, resultando em um episódio de insuficiência cardíaca (IC) aguda. A detecção e o tratamento dos fatores desencadeantes desempenham um papel importante no tratamento do paciente. Os fatores desencadeantes incluem ingestão excessiva de sal, falta de adesão à medicação e à dieta, infarto do miocárdio, embolia pulmonar, hipertensão não controlada, arritmias cardíacas, valvopatia, quimioterapia cardiotóxica, infecção, hipotireoidismo, hipertireoidismo, disfunção renal e abuso de bebidas alcoólicas e de drogas.[9]

As condições crônicas comórbidas mais comuns são hipertensão, cardiopatia isquêmica e hiperlipidemia.[7][9]

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Prevalência de condições crônicas individuais em pacientes com insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada e reduzida. Painel esquerdo, homens; painel direito, mulheresChamberlain AM, et al. Am J Med. 2015 Jan; 128(1): 38-45; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@3145f6b1

História do paciente

A IC é uma afecção principalmente de idosos.[2][14] A complexidade e a variedade dos possíveis fatores causadores significam que múltiplos fatores na história do paciente podem ser relevantes. A comorbidade é comum, com 98% a 99% dos pacientes com IC apresentando pelo menos uma condição comórbida (média de 3 a 4 comorbidades).[8] Histórias de hipertensão; diabetes mellitus; dislipidemia; tabagismo; doença vascular periférica, valvopatia ou doença coronariana; febre reumática; sopro cardíaco ou cardiopatia congênita; história pessoal ou familiar de miopatia; irradiação mediastínica e respiração anormal no sono devem ser pesquisadas. A história medicamentosa deve registrar o uso prévio ou vigente de drogas ilícitas, bebidas alcoólicas, efedrina ou agentes antineoplásicos, como antraciclinas, trastuzumabe ou ciclofosfamida em alta dose, porque a IC pode ocorrer anos após a exposição a esses agentes quimioterápicos. A história e a avaliação física devem incluir a consideração específica de doenças não cardíacas, como doença vascular do colágeno, infecções bacterianas ou parasitárias, obesidade, excesso ou deficiência de hormônios da tireoide, amiloidose, síndrome carcinoide e feocromocitoma.

Deve-se obter uma história familiar detalhada, não somente para determinar se há predisposição familiar à doença aterosclerótica, mas também para identificar parentes com cardiomiopatia, morte súbita inexplicada, doença do sistema de condução e miopatias esqueléticas.

A dispneia ao esforço físico ou em repouso é o sintoma mais comum de IC esquerda. O paciente com insuficiência crescente pode desenvolver edema de membros inferiores, ganho de peso e distensão abdominal em decorrência de ascite.[101] Os pacientes com IC primariamente direita podem apresentar fadiga, edema de membros inferiores, ganho de peso e, raramente, dor abdominal em decorrência de congestão hepática. Em estágio avançado, pode haver distensão abdominal devido à ascite.

Exame físico

Atenção especial deve ser dada aos principais sinais de IC. A presença (e o grau) deles pode depender da gravidade da IC e da comorbidade associada.

O exame físico geral pode revelar taquicardia e cianose. Um exame físico com foco cardiovascular pode revelar pressão venosa jugular elevada, edema no tornozelo e um ictus cordis deslocado, o que sugere cardiomegalia. À ausculta, além da presença de estertores pulmonares ou crepitação, uma B3 em galope pode estar presente, a qual tem valor prognóstico.


Galope de terceira bulha cardíaca
Galope de terceira bulha cardíaca

Sons de ausculta: galope de terceira bulha cardíaca


Fatores precipitantes e comorbidade

Manifestações clínicas da etiologia subjacente da IC podem estar presentes, por exemplo:

  • macroglossia e neuropatia (que podem indicar cardiomiopatia infiltrativa, como amiloidose)

  • palidez (que pode refletir anemia)

  • pulso irregularmente irregular (refletindo fibrilação atrial)

  • sopro sistólico da estenose aórtica e sopro mesodiastólico da estenose mitral

  • sinais evidentes de tireotoxicose.

Em pacientes em diálise, uma fístula arteriovenosa grande pode ocasionalmente ser o fator desencadeante. No entanto, uma discussão mais aprofundada sobre as características clínicas de todas as afecções etiológicas está além do escopo deste tópico.

Investigações iniciais

Para todos os pacientes, as investigações iniciais devem incluir ECG, radiografia torácica, ecocardiografia transtorácica e hematologia e bioquímica séricas basais, incluindo hemograma completo, urinálise, eletrólitos séricos (inclusive cálcio e magnésio), níveis séricos de ureia e creatinina, testes da função hepática, níveis de peptídeo natriurético do tipo B (PNB)/fragmento N-terminal do peptídeo natriurético tipo B, função tireoidiana, glicose sanguínea e lipídios.[7][9]

  • A anemia e a alta porcentagem de linfócitos são fatores de risco fortes e marcadores de prognóstico ruim de sobrevida

  • Em pacientes com dispneia, a medição de biomarcadores de peptídeos natriuréticos é útil para corroborar o diagnóstico ou descartar a IC. No entanto, níveis plasmáticos elevados de peptídeos natriuréticos podem ocorrer com uma variedade de causas cardíacas e não cardíacas; portanto, é necessário critério clínico.

A medição da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), geralmente por ecocardiografia, é necessária para a classificação da IC:[1]

  • IC com FE reduzida (ICFER): IC com FEVE ≤40%

  • IC com FE levemente reduzida (ICFELR): IC com FEVE de 41% a 49%

  • IC com FE preservada (ICFEP): IC com FEVE ≥50%

  • IC com FE aprimorada (ICFEA): IC com FEVE basal de ≤40%, um aumento de ≥10 pontos a partir da FEVE basal, e uma segunda medição da FEVE de >40%

Investigações iniciais para comorbidades comuns: glicose sanguínea, testes de função tireoidiana e lipídios séricos são úteis para avaliar doenças comórbidas comumente associadas. O ECG pode mostrar evidências de doença arterial coronariana (DAC) subjacente. A ecocardiografia transtorácica pode identificar doença valvar, miocárdica ou pericárdica ou pode revelar evidências de DAC subjacente (anormalidades regionais de movimento/espessura da parede). O coração hipertrofiado pode ser devido a hipertensão, cardiomiopatia obstrutiva hipertrófica ou doença infiltrante, como a amiloidose.

Investigações subsequentes

As investigações que ajudam na avaliação da gravidade da IC e da capacidade funcional incluem exame de imagem não invasivo sob estresse (ressonância nuclear magnética [RNM] cardiovascular, ecocardiografia sob estresse, tomografia computadorizada por emissão de fóton único [SPECT], tomografia por emissão de pósitrons [PET]), teste ergométrico padrão (com bicicleta ou esteira), angiografia coronariana, angiotomografia cardíaca, teste ergométrico com VO₂ máx, teste de marcha em 6 minutos, cateterismo do lado direito e do lado esquerdo. A medição da troponina é útil na estratificação adicional do risco na IC crônica, pois um nível elevado está associado a disfunção ventricular esquerda progressiva e a aumento da mortalidade.[102] O ST2 solúvel e a galectina-3 (biomarcadores de fibrose do miocárdio) são preditivos de morte e hospitalização em pacientes com IC e são aditivos ao peptídeo natriurético em seu valor prognóstico.[103]

Investigações subsequentes para comorbidades: com base na história clínica, rastreamento para HIV e medição dos níveis de ferro e saturação de transferrina em jejum para rastreamento de hemocromatose também podem ser realizadas. Uma RNM do coração é especialmente útil na investigação de miocardite e cardiomiopatia infiltrante. Pode-se usar uma TC com múltiplos cortes para estimativa da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE). Não parece haver diferença significativa na estimativa da FEVE entre a TC com múltiplos cortes e a RNM, nem entre a TC com múltiplos cortes e a ecocardiografia transtorácica.[104] A TC com múltiplos cortes pode oferecer benefícios adicionais, pois fornece uma avaliação combinada da FEVE e da doença arterial coronariana. A biópsia endomiocárdica é solicitada se houver suspeita de miocardite aguda (células gigantes ou eosinofílica) ou doenças infiltrativas primárias do coração (amiloidose, sarcoidose cardíaca ativa).

Outras investigações para comorbidades e causas

Após a anamnese, exame físico e investigações iniciais, quaisquer comorbidades suspeitas devem ser investigadas mais detalhadamente. Consulte os tópicos separados para obter mais informações.

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