No passado, os médicos nem sempre tinham acesso à pesquisa médica mais recente. Muitas vezes eles decidiam como tratar os pacientes usando apenas a sua própria opinião e experiência, além do que aprenderam na faculdade de medicina. Hoje sabemos que essa não é a melhor maneira de se exercer a medicina. Isso porque o que os médicos acham melhor para um paciente nem sempre é o que a pesquisa demonstra ser o melhor.

Quando os pesquisadores estudam uma doença ou condição, geralmente eles examinam muitos mais pacientes do que qualquer médico jamais faria. Além disso, o conhecimento clínico muda o tempo todo. E o que os médicos pensavam que era a melhor coisa a fazer, mesmo poucos anos atrás, pode ser considerado nocivo hoje em dia.

Somente observando todas as evidências e julgando-as de forma justa, você pode descobrir o que a pesquisa realmente diz sobre um tratamento. É isso que se chama praticar medicina baseada em evidências.[1]

Pontos-chave sobre a medicina baseada em evidências

  • Nem todas as evidências são iguais. Algumas evidências são melhores que outras.
  • Quando os médicos analisam a pesquisa antes de recomendar um tratamento, eles estão usando medicina baseada em evidências.
  • A medicina baseada em evidências analisa todas as pesquisas existentes sobre uma doença ou tratamento.
  • Quando os pesquisadores analisam se um tratamento funciona, eles examinam muito mais pacientes do que um único médico jamais irá tratar.
  • Às vezes, a evidência não consegue dizer qual tratamento é melhor para você, então é importante que você pondere os prós e contras cuidadosamente.

Por que as evidências da pesquisa são tão importantes?

Nem todas as evidências são iguais. Pode ser perigoso se basear no que os vizinhos ou amigos lhe dizem. Por exemplo, só porque um medicamento para o câncer funcionou para eles, isto não significa que ele funcionará para você. Além disso, já houve muitas práticas em medicina que mais tarde foram consideradas inúteis ou até mesmo nocivas quando estudos foram realizados.

Seguem aqui alguns exemplos:

  • Cinquenta anos atrás, as mulheres costumavam receber um enema quando entravam em trabalho de parto. Isto é desconfortável e desagradável. Mas, os médicos acreditavam que os enemas reduziam o risco de infecção das mulheres e do bebê. Alguns hospitais administravam enemas com sabão, que eram dolorosos para as mulheres. Quando os médicos estudaram os resultados da pesquisa eles constataram que não havia evidências de que os enemas evitavam infecções. Dois estudos mostraram que os enemas faziam mais confusão, e as mulheres se sentiram envergonhadas com o enema [2]. As mulheres não têm mais enemas enquanto estão em trabalho de parto.
  • O repouso no leito costumava ser recomendado para muitas afecções. Mas, hoje sabemos que muitas vezes ele pode fazer mais mal do que bem. As pessoas que tiverem tido um ataque cardíaco, por exemplo, ficarão melhores tanto física quanto mentalmente se começarem a se exercitar logo que se sentirem suficientemente bem para isso.[3]

Às vezes a pesquisa comprova que um tratamento funciona, mas os médicos demoram a começar a usar o tratamento. Por exemplo, dezenas de milhares de bebês prematuros morreram porque um tratamento que poderia ajudá-los a respirar melhor não era largamente utilizado. Em 1972, foi publicado o primeiro de vários estudos mostrando que fornecer medicamentos (chamados corticosteroides) para mulheres prestes a ter um bebê prematuro poderia ajudar na respiração do bebê.[4] Mas, passaram-se 20 anos até que os obstetras (médicos especializados em gestação e parto) começassem a usar esses medicamentos regularmente.

Como ponderar outras fontes de evidências

O que os amigos e a família dizem
Quando você não está bem, sua família e amigos muitas vezes lhe dão conselhos e contam sobre suas experiências. Essas histórias podem ser úteis. Se a sua mãe disser que o seu filho precisa extrair as amígdalas porque ele tem muitos episódios de faringite, você pode acreditar no que ela diz, pois ela é a sua mãe. Ela pode dizer que, quando você extraiu as amígdalas parou de faltar à escola e começou a comer melhor e a crescer mais.

Mas, a pesquisa mostra que remover as amígdalas das crianças pode não fazer tão bem a elas e após um ano ou dois elas podem ter tantos episódios de faringite quanto as crianças que não tiveram as amígdalas extraídas.[5] E algumas crianças sofrem complicações decorrentes da cirurgia de extração das amígdalas, como sangramento. Sua mãe tem boa intenção, mas a história de uma pessoa não passa disso: é a história de uma pessoa que foi submetida a um tratamento. Não é a história de milhares de outras pessoas que também foram submetidas ao mesmo tratamento.

Por exemplo, muitas vezes você ouve histórias de pessoas que sobreviveram ao câncer porque se submeteram a dietas rigorosas. No entanto, você é menos propenso a ouvir histórias de pessoas que se submeteram a dietas rigorosas e morreram. Elas não estão mais por aqui para contar suas histórias. Pode ser difícil seguir uma dieta rigorosa se você tem câncer e acha difícil comer. Isso pode fazer com que você não aproveite a vida. Você deve pensar cuidadosamente antes de começar uma dieta que seja difícil e desagradável de seguir e não apenas se a pesquisa mostrar que você obterá alguns benefícios reais com esta dieta.

No entanto, você ainda pode aprender muito com a experiência de tratamento de uma pessoa. Estudos de pesquisa nem sempre analisam as coisas que interessam a você. O que os amigos, vizinhos e outras pessoas com a sua doença dizem é importante. Mas, você não deveria usar essas informações por conta própria quando tomar decisões sobre o tratamento.

O que o seu médico diz
Idealmente, as recomendações de tratamento do seu médico serão baseadas na pesquisa mais confiável disponível. Mas, é difícil para profissionais de saúde ocupados se manterem atualizados com os avanços do conhecimento médico. Um estudo de 1992 constatou que um médico teria que ler 17 artigos em periódicos de medicina diariamente, durante o ano todo, para acompanhar as novidades em sua especialidade da medicina.[6] Este número pode ser ainda maior nos dias de hoje.

No entanto, hoje mais informações médicas são sumarizadas para facilitar a atualização dos médicos. Mesmo assim, nem todos os médicos usam esse tipo de informação. Além disso, a pesquisa nem sempre fornece uma resposta clara sobre qual tratamento funciona melhor, então diferentes médicos chegarão a diferentes conclusões. Para os homens com câncer de próstata, por exemplo, alguns médicos recomendam a cirurgia, outros recomendam radioterapia e outros acham que alguns homens vão ficar tão bem quanto os outros sem passar por qualquer tratamento.[7]

O que dizem os especialistas
O seu médico pode ser um especialista em seu campo. Ou o seu médico pode decidir como tratar você com base no que outros especialistas afirmam. Muito do que os médicos leem na faculdade de medicina se baseia no que os especialistas acham. Os médicos gostam de ouvir a opinião dos colegas.

Mas, os especialistas nem sempre acertam. É mais seguro se basear em resultados de bons estudos de pesquisa do que na opinião de uma pessoa.

O que a mídia diz
Todos os dias há histórias em jornais ou na televisão sobre as últimas descobertas em cuidados de saúde. Um dia você pode ouvir que ingerir álcool pode diminuir suas chance de cardiopatia. No outro dia você pode ouvir que isso aumenta o seu risco de câncer de mama. O que você deve fazer?

A mídia costuma divulgar os resultados de apenas um estudo. Pode ter havido outros estudos que alcançaram resultados diferentes e o repórter pode não saber sobre eles. Geralmente, qualquer estudo apenas adiciona mais um tijolo em uma crescente parede de evidências. Os resultados de um estudo podem não contar a história toda. Só depois que outros grupos de pesquisadores repetem o estudo e encontram os mesmos resultados as respostas passam a ser confiáveis.

Você não precisa tomar uma decisão com base em um estudo.

A mídia também tende a ser otimista sobre os avanços na medicina. Por exemplo, um estudo que examinou como a mídia divulgava os tratamentos medicamentosos para osteoporose e o colesterol alto constatou que os benefícios dos medicamentos foram salientados, mas os possíveis danos mal foram mencionados.

Também existem muitos websites que fornecem informações sobre saúde. Mas, pode ser difícil saber em quais confiar.

O que a tradição diz
Só porque algo tem sido usado há anos não significa que funcione ou não pode machucá-lo. Muitos medicamentos complementares e alternativos (como os produtos fitoterápicos e as vitaminas) têm sido utilizados durante anos. Mas, nem sempre existem boas evidências de que fazem mais bem do que mal.

Um estudo examinou sete livros de referência.[8] Ele constatou que mais de 100 medicamentos complementares já foram recomendados para asma. Mas, não houve boas evidências de que eles funcionaram.

Os remédios tradicionais podem ter sido utilizados por séculos, mas eles podem não ser seguros quando tomados com os medicamentos modernos. A erva de São João, por exemplo, é um fitoterápico para depressão. Infelizmente, ela impede que alguns medicamentos, como a pílula contraceptiva e os comprimidos para diluir o sangue, funcionem adequadamente.

Perguntas para perguntar ao seu médico
Aqui estão algumas perguntas que podem ajudá-lo a ponderar as informações que você encontra na mídia ou na Internet sobre tratamentos. Você pode mostrar essas perguntas ao seu médico.

  • Como esse tratamento poderia me ajudar? Ele tem sido estudado em pessoas como eu?
  • É provável que este medicamento me prejudique? Tenho mais probabilidade de sofrer efeitos colaterais do que outras pessoas? (Por exemplo, os idosos às vezes tem mais efeitos colaterais.)
  • Quão fortes são as evidências de que este tratamento funciona? Os resultados da pesquisa estão publicados em uma revista médica? É apenas uma pessoa contando sua história na televisão?
  • Quais são alternativas ao tratamento estão sendo oferecidas?
  • Quais são os custos do tratamento? (Eles podem incluir os custos financeiros e não financeiros, como a inconveniência.)

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Referências

  1. Sackett DL, Rosenberg WM, Gray JA. Evidence based medicine: what it is and what it isn't. BMJ. 1996; 312: 71-72.
  2. Cuervo LG, Rodriguez MN, Delgado MB. Enemas during labor (Cochrane review). In: The Cochrane Library, Issue 2, 2000. Update Software, Oxford, UK.
  3. National Institute for Health and Care Excellence. Myocardial infarction: cardiac rehabilitation and prevention of further cardiovascular disease. Novembro 2013. Disponível em https://www.nice.org.uk/guidance/cg172 (acessado pela última vez em 8 de fevereiro de 2019)
  4. Liggins GC, Howie RN. A controlled trial of antepartum glucocorticoid treatment for prevention of the respiratory distress syndrome in premature infants. Pediatrics. 1972; 50: 515-525.
  5. Paradise JL, Bluestone CD, Bachman RZ, et al. Efficacy of tonsillectomy for recurrent throat infection in severely affected children: results of parallel randomized and nonrandomized clinical trials. New England Journal of Medicine. 1984; 310: 674-683
  6. Davidoff F, Haynes B, et al. Evidence based medicine. BMJ. 1995; 310:1085-1086.
  7. Yamey G, Wilkes M. Prostate cancer screening: is it worth the pain? San Francisco Chronicle. 18 de janeiro de 2002:29.
  8. Ernst E, Berman B, et al. The desktop guide to complementary and alternative medicine: an evidence based approach. Mosby, Edinburgh, UK; 2001.